Por José Paulo Cavalcanti Filho, em sua coluna no JC desta sexta Miguel Sousa Tavares é autor do premiado Equador.

E do livro mais vendido em Portugal, no último ano, Cebola Crua com Salsa.

Uma espécie de biografia precoce.

Fosse pouco, é também filho da deusa Sophia de Mello Breyner Andresen.

Escreveu Miguel: “Amigo Zé Paulo, seu texto sobre os charutos estava no ponto: robusto, ligeiramente úmido, fiel.

E conhece (conhece, de certeza) a frase do Kipling sobre os charutos: A woman is only a woman, but a good cigar is a smoke?

Infelizmente, não temos expressão portuguesa que traduza fielmente a smoke.

Mas sabe onde li essa frase pela primeira vez?

Foi na noite dos tempos, quando, jovem adolescente, folheava uma centerfold da Playboy americana com a Ursula Andress no ponto certo de combustão, nuazinha e fulminante.

E aqueles sacanas (do tempo em que os americanos ainda tinham sentido de humor), enfiaram a frase do Kipling sobre o esplendor corporal de uma das raras suíças que memória de homem nenhum guarda.

Deus o abençoe!” O poema de Rudyard Kipling (autor de Se – “Se és capaz de manter tua calma… És um homem meu filho!”) é The Betrothed (Comprometido).

E começa com a intransigência de sua mulher: “Você terá de escolher: ou seus charutos ou eu”.

O poeta responde: “Abra a velha charuteira, dê-me um Havana encorpado,/ Que meu noivado com Maggie está ficando complicado./ A causa da desavença reside no meu charuto./ Acuso-a de intransigência, diz ela que eu sou um bruto./ Abra a velha charuteira, que eu quero ficar entregue/ Aos auspícios da fumaça”.

Preferindo, claro, permanecer com seus puros.

E, no fim, está o tal verso: “Mas mulher é só mulher, e um bom charuto é fumaça”.

O smoke do verso (a good cigar is a smoke), Miguel tem razão, é bem mais do que apenas “fumaça”.

O leitor escolha como prefere traduzir. É só dar asas à imaginação.

Lembro situação parecida.

Com a vedete do can-can, Louise Weber, amor dos sonhos de Toulouse-Lautrec – que era conhecida, em Paris, como La Goulue.

Tradução literal, assim está nos livros, é A Gulosa.

Só que o sentido é outro.

Em vez de A Boa de Comer, seria mais A Boa de ser Comida.

Ou A Gostosa, talvez ficasse ainda melhor.

Tudo provando que razão tinha mesmo Voltaire (em Cartas Filosóficas): “Desgraçados dos fazedores de traduções literais… É aí que se pode dizer que a letra mata, e que o espírito vivifica”.

Deus abençoe a todos nós, amigo.