Por Roberto Numeriano, em artigo enviado ao blog A casuística dos golpes de Estado perpetrados sob ação direta e/ou apoio dos Estados Unidos no mundo é imensa.

Poderíamos detalhar algumas dezenas desses eventos, desde o fim da II Guerra Mundial, nos quais a CIA (maior organização terrorista do planeta) trabalhou com métodos diversos (infiltração, compra de apoio junto a empresários, militares, políticos e jornalistas, assassinatos, atos terroristas e treinamento de mercenários).

Sempre, é claro, em nome de “Deus, família, pátria, democracia e liberdade”.

No último dia 30 de abril, em nova investida dos Estados Unidos contra o governo constitucional de Nicolás Maduro, presidente da Venezuela, observamos a radicalização desse processo pela sublevação de um punhado de militares do Exército.

Cerca de quarenta militares de baixa patente, à exceção de um general que (sintomaticamente) chefiava o órgão de Inteligência, tentaram depor o governo instigados por um típico usurpador marionetes, Juan Guaidó.

Sufocada a intentona da extrema-direita, quase todos se refugiaram em embaixadas, pedindo asilo político.

Essencialmente, o que está em jogo na Venezuela?

Desde já, podemos afirmar que o país de Hugo Chavez sofre um processo violento de guerra híbrida cujo objetivo fundamental econômico são as reservas em petróleo, gás e ouro, e o fim geopolítico é derrotar o último grande bastião independente e soberano na América do Sul, depois do sucesso do golpe de Estado dos corruptos de 2016, no Brasil, revertendo-nos à condição de velho grande quintal do império da ganância, soberba e mentira.

A conta é simples: a Venezuela possui cerca de 300 bilhões de reservas provadas de petróleo (algo em torno de 20% das reservas mundiais).

Trata-se da maior jazida de petróleo no mundo.

O insaciável Tio Sam devora 20 milhões de barris de petróleo por dia — 25% desse total (5 milhões de barris/dia), são importados.

Ocorre que o petróleo do Oriente Médio, palco de várias intervenções militares/golpistas dos EUA (vide Líbia, Síria e Iraque, para lembrar apenas as mais recentes), leva de 35 a 45 dias para ser transportado, por mar, até os portos norte-americanos.

Se os Estados Unidos promoveram várias guerras de saque por petróleo em países tão distantes, por que deixariam a Venezuela fora do seu radar da rapinagem, sendo o país do grande Simon Bolívar tão próximo e sob o alcance político-ideológico da criminosa e fajuta doutrina Monroe?

Nenhuma ação dos grupos de extrema-direita da Venezuela e dos EUA está, em essência, relacionada com promoção da democracia e “ajuda humanitária”, senão com petróleo e projeção de poder geopolítico sobre a América do Sul, onde restam apenas a Venezuela, a Bolívia e o Uruguai com vozes autônomas e soberanas frente aos arreganhos imperialistas representados pelo governo Trump.

Há um outro fator importante para sopesar os interesses das diversas forças em conflito.

Trata-se do fundamento político-ideológico da disputa pelo poder.

A Venezuela, em certo sentido, representa uma espécie de Cuba rediviva a desafiar a arrogância e pretensão norte-americanas de se impor aos estados e ideias opostas à sua lebensraum racista, autoritária e desumana.

Assim como a irredenta ilha de Fidel Castro, a Venezuela também agrega na sua luta de classes, como expressão ideológica da maioria dos trabalhadores, a doutrina do bolivarianismo, inspirada nos ideais do libertador e revolucionário Simón Bolivar.

Por dentro das forças armadas e na educação política das massas assalariadas, esta doutrina reveste o nacionalismo, o orgulho, o patriotismo e a defesa dos interesses do povo venezuelano.

O presidente Chavez teve a antevisão do significado da doutrina da revolução bolivariana como pedra de toque da luta de classes, seja na ação política dentro do aparelho do Estado e seus espaços de poder, seja concretamente, na sociedade e instituições populares onde se dá o conflito entre as mentalidades de esquerda e de direita em torno de uma narrativa hegemonista.

A terceira derrota seguida dos golpistas da direita venezuelana neste ano pode até significar uma afirmação da liderança de Maduro e maior fortalecimento do bolivarianismo, mas nem por isso a CIA, os governos subservientes da América do Sul e os grupos internos vão sossegar.

A guerra híbrida em curso contra o governo legítimo da República de Bolivar vai tentar outras ações criminosas.

Vão endurecer o cerco econômico, aumentar as ofertas de poder aos grupos de oposição, tentar cooptar autoridades do estado com o dólar de sempre, implantar mais “fakenews” etc.

Apesar disso tudo, do sofrimento humano e das privações diversas provocadas diretamente pelos EUA, o cerco criminoso parece estar fortalecendo uma unidade política e ideológica dos trabalhadores e assalariados em torno da defesa do projeto bolivariano de um país livre, igualitário, independente e soberano.

Tenho certeza que o grande Simón Bolivar teria orgulho de lutar nessa frente de batalha.

Roberto Numeriano apresenta-se como jornalista, professor, pós-doutor em Ciência Política e co-autor do livro “O Que é Golpe de Estado” (Editora Brasiliense), com o sociólogo Mário Ferreira.