Jabutis e ruídos na Previdência Por Míriam Leitão, no jornal O Globo O governo colocou pontos na reforma da Previdência que aumentaram a vulnerabilidade de um projeto que em si já é bastante polêmico.
Os jabutis incluídos para serem usados como moeda de negociação ajudaram os setores mais fortes de oposição ao texto, que são os servidores públicos.
A proibição de acesso aos dados preparatórios não tem justificativa alguma e também cria um ambiente que fortalece a resistência.
Têm havido vários erros estratégicos na formulação e na defesa da PEC 6/2019.
Não há motivo razoável para não permitir o acesso aos dados e estudos que levaram à preparação da reforma, se eles estão convencidos dos números, dos cálculos e das propostas que fizeram.
Ontem, no meio da crise, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, anunciou que eles serão divulgados na quinta-feira.
Enquanto uma parte da oposição queria judicializar a proposta.
Evidentemente cada número precisa ser entendido no seu contexto.
Um exemplo disso: o governo sempre coloca que o déficit dos militares é de R$ 20 bilhões, mas isso é apenas o déficit do pagamento de pensões.
O rombo de todo o sistema é mais do que o dobro disso.
O que subestima o dado negativo é que os militares não aceitam o conceito de que estão aposentados.
Dizem que estão na reserva, à disposição do país.
Se não se aposentam não há déficit, na interpretação deles.
Os formuladores da proposta decidiram aceitar essa versão dos fatos, mas isso evidentemente não elimina o desequilíbrio que existe no sistema previdenciário dos militares.
O erro mais gritante na formulação da proposta foi em relação ao Benefício de Prestação Continuada (BPC) porque ele tem servido como biombo para que os servidores enfraqueçam a reforma.
As várias categorias de funcionários têm ganhos mais altos do que os trabalhadores do setor privado e eles é que serão mais afetados pela reforma. É difícil sustentar o argumento de que eles estão defendendo o “direito” de receber até R$ 39 mil hoje, que é uma possibilidade para quem entrou no serviço público antes de 2003.
Mais fácil é dizer que a reforma atinge os miseráveis.
Para que dar a eles esse argumento?
Nos dados divulgados no dia de apresentação da reforma, o ganho com o BPC mais a mudança do abono salarial será de R$ 41,4 bilhões em quatro anos e R$ 182,2 bilhões em dez anos.
O governo diz que a mudança do BPC é neutra e que esse valor é apenas porque está misturado com a redução do abono, que passaria a ser concedido apenas para quem ganha até um salário mínimo.
Se é neutra, é preferível que os cálculos sejam mostrados.
Há muitos indícios de que há fraude na aposentadoria rural, mas eles nunca conseguiram explicar bem a razão das propostas que fizeram.
Sendo assim, ficou de novo sendo uma ótima desculpa para se atacar a reforma.
Outra medida é a de aumentar as alíquotas da contribuição dos servidores.
Só que ela será aplicada de forma progressiva.
A alíquota de 22% é apenas nominal.
A efetiva é de 16,79%.
Esse foi outro ponto que deu argumento à oposição, porque o que fica valendo para efeito do debate é o número 22%.
Durante todas as apresentações feitas pela equipe para defender e explicar a reforma gastou-se tempo demais com o debate em torno da capitalização, que no final das contas não foi ainda apresentado.
Chegam a falar em minúcias como a de que há uma possibilidade de que seja o sistema “nocional” usado na Itália, Suécia ou Polônia, em que se a poupança da pessoa não for suficiente para o pagamento de um mínimo mensal, o Tesouro complementa.
Mas como não foi formulada a proposta ainda, todo esse tempo de debate é ocioso e diminui o espaço de discussão da reforma realmente apresentada.
O governo propôs a desconstitucionalização dos parâmetros da Previdência porque a maioria das constituições do mundo não trata desse tipo de detalhe das regras e dos parâmetros.
O problema é que ao incluir a idade máxima para aposentadoria compulsória, o projeto entra em campo minado.
Foi entendido como uma forma de mudar a PEC da Bengala que, se for alterada por lei complementar, poderá dar ao atual presidente o poder de nomear mais ministros para o Supremo.
Isso aumentou a resistência à reforma.
Há pontos que não há motivo para terem sido incluídos, como o que acaba com o FGTS para quem já está aposentado e volta ao mercado de trabalho.
Reformar a previdência no Brasil é brigar com muitos interesses.
Se quem propõe comete erros estratégicos fica mais difícil ainda.
Tomara que o governo tenha sucesso em se explicar e em tirar os jabutis do projeto.