Por Gaudêncio Torquato, em artigo enviado ao blog A democracia é um jogo de cooperação e oposição.

Com jogadas entre contrários.

No certame de cooperação, as regras são a persuasão, a negociação, os acordos, a busca de espaços de consenso.

Já no jogo de oposição, procura-se medir forças, confrontar o adversário, provocar tensões, desgastar, impor a vontade pela força.

Ultimamente, o jogo das oposições não tem sido bem jogado, tanto em função da derrota por elas sofrida no último pleito como pela reclusão do seu principal jogador, o ex-presidente Lula.

Mas no Brasil, as manobras divisionistas acabam se superpondo às táticas de cooperação e é por isso que o país anda devagar.

Veja-se esse início de governo Bolsonaro.

Pela extraordinária vitória obtida por ele, as reformas – inclusive a Previdenciária – deveriam estar, a essa altura, em estado bem adiantado.

Ao contrário, caminham devagar, a passos lentos, quase parando.

E não se pense que esse andar de tartaruga se deve à oposição, aos chamados partidos de esquerda, PSOL, PT, PSB.

O confronto mais forte provém de grupos incrustados nas entranhas do próprio Governo.

Os partidos do centrão, todos com um pé atrás, olham para onde caminha o governo, lutam por espaços de poder e influência.

E haja desconfiança.

O que se vê é um jogo de soma zero.

Ao avanço do governo, um recuo da base parlamentar.

Pinço a concepção do sociólogo Carlos Matus, em seu ensaio Estratégias Políticas.

Impera entre nós o estilo chimpanzé de fazer política.

Que se baseia no projeto de poder pessoal, de rivalidade permanente, de hierarquização de forças.

Cada partido quer ser melhor e com mais força que outro.

Já o presidente Bolsonaro e seu entorno militar parecem optar pelo modelo Maquiavel, onde o personalismo do Príncipe, eixo do sistema, se subordina a um projeto de Estado.

Construir um Estado de Direita.

Presenciamos uma luta entre os dois estilos.

De um lado, os políticos, inspirados no lema “o poder pelo poder”, usam a arma do voto no Congresso para atingir o objetivo de preservar e ampliar territórios.

Disparam processos de tensão, ameaçam o Governo com retiradas de apoio, buscam coalizões entre eles.

Assim, a natureza política se assemelha ao instinto chimpanzé, para quem a luta tem como foco a conservação da própria espécie (“o fim sou eu mesmo”).

Representar o povo?

Ah, quimera.

Já o presidente Bolsonaro está mais para o estilo maquiavélico.

Seu discurso é claro: ele não é o projeto - o projeto é o Brasil, mas construir a Pátria que o povo quer só será possível com ele.

Todos os meios devem se adequar ao objetivo: livrar o Brasil das esquerdas, do PT, do comunismo, das forças que atrasam o país.

Ele só vê amigos nos aliados militares, nos grupos evangélicos, nos núcleos de direita, nas massas de apoio e nos filhos.

Todos os outros são inimigos.

Tudo deve ser sacrificado pelo projeto.

Para governar, a conduta maquiavélica acabará fazendo concessões ao estilo chimpanzé dos políticos, com estes abocanhando fatias de poder.

Basta esperar.

O presidente alimenta suas bases sociais incentivando-as a perfilar ao lado das reformas.

Nas margens da sociedade reina um clima de expectativas.

Os pobres não têm munição para fazer guerra.

Grudam-se ao Bolsa Família.

Os marginalizados recebem o pão, cultivam laços de amizade entre si, buscam cooperação.

E têm a honestidade como valor.

Os necessitados são mais afeitos ao estilo Gândhi.

Vivem expectativas, enfrentam dissabores, as tragédias do cotidiano, as chuvas destruidoras.

Choram a morte dos seus, depositando sua fé no divino, indo às igrejas, rezando, implorando aos céus. É assim que o país está fatiado: entre Chimpanzé, Maquiavel e Gândhi.

Os tempos exigem diálogo, elevação dos espíritos, negociação, convivência, um pacto por causas coletivas, coisa difícil ante a onda chimpanzé que se alastra.

Mas o Brasil carece muito do estilo Gândhi.

Assim, os cidadãos sentiriam mais vergonha de cometer atos ilícitos.

O fato é que a sem-vergonhice aplaude o estilo chimpanzé.

Sob as bênçãos de Maquiavel.

Gaudêncio Torquato, jornalista, é professor titular da USP, consultor político e de comunicação