Como perder os 100 primeiros dias Por Míriam Leitão, em O Globo Nestes 100 dias, o pior inimigo do governo Bolsonaro foi o governo Bolsonaro.
O melhor da lua de mel de qualquer administração foi queimado num processo que deixou como saldo queda de popularidade e um grande estoque de brigas inúteis e energia desperdiçada.
Na área econômica, trabalha-se com foco em objetivos concretos, que vão além da reforma da Previdência.
Mesmo assim, perdeu-se tempo.
De todos os erros, o pior foi na Educação que, não por acaso, no 99º dia teve troca de comando.
Infelizmente não houve mudança de ideias.
Desde os primeiros dias ficou claro que o ministro Vélez Rodriguez era a escolha errada.
O presidente deixou o ministério sangrando por um trimestre, com paralisia e brigas de facções entre os assessores de Vélez.
O novo ministro Abraham Weintraub tem, como os que chegam, o benefício da dúvida.
Se comandar o MEC com as ideias que defendeu em palestras e vídeos nas redes sociais, é certo que o diversionismo continuará na área mais importante do país.
Se ele continuar a cruzada ideológica, perderemos o ano letivo.
Os erros na educação foram tão ruidosos que outros pontos de desacertos tiveram menos atenção que o necessário.
No Itamaraty, o ministro Ernesto Araújo tem os sintomas do mesmo tipo de delírio que o ex-ministro Vélez Rodriguez.
Enquanto nos expõe ao ridículo diante do mundo, vai desmontando a Casa de Rio Branco.
No Ministério do Meio Ambiente, o ministro Ricardo Salles fez pouco e causou muito dano.
Logo no começo da gestão falou que criaria um sistema de monitoramento de desmatamento.
O Brasil já tem. É feito pelo Inpe, instituição de excelência científica, do Estado brasileiro, que faz o monitoramento desde 1988.
O ministro teve atuação pífia diante do desastre de Brumadinho e antes que se termine a avaliação das perdas humanas e ambientais ele já propõe que a Vale faça uma conversão das multas.
Ele demitiu os 27 superintendentes do Ibama.
O órgão desconsiderou o parecer dos técnicos e autorizou o licenciamento para exploração de petróleo em áreas de alto risco.
Salles não está dando nova orientação à pasta.
Está destruindo o arcabouço institucional de proteção da biodiversidade. É o ministro do desmonte ambiental.
O governo Bolsonaro se desgastou porque quis.
Atacou os partidos como se eles fossem sinônimos de corrupção, ignorando que com 52 deputados não se consegue maioria num colégio de 512.
E sem maioria não se aprovam projetos, nem se governa.
E mesmo esses 52 do partido do presidente já se dividiram e tiveram até brigas públicas.
Uma pesquisa com parlamentares, divulgada ontem pela XP, mostra que subiu de 12% para 55% os deputados que consideram ruim ou péssima a relação da Câmara com o Planalto.
No começo do ano legislativo, 57% achavam que o relacionamento era bom ou ótimo.
Agora, apenas 16% fazem avaliação favorável.
O presidente espalhou a impressão, por suas declarações, de que desta forma está evitando a corrupção.
Confunde o ato político de dialogar com as práticas ilegais.
Melhor faria se explicasse o que aconteceu com o laranjal do ministro do Turismo ou com os depósitos estranhos dos funcionários do gabinete do agora senador Flávio Bolsonaro.
A área econômica, uma das poucas que se salva, errou quando aceitou fazer um projeto de Previdência novo.
Poderia ter aproveitado a emenda do governo anterior que já estava tramitando.
Com uma emenda aglutinativa poderia melhorar o projeto.
Até no governo admite-se que isso foi um erro.
Com os canais de diálogo com o Congresso entupidos, o governo tem que cumprir passos que já haviam sido dados na reforma da Previdência.
Ontem o projeto ainda batia a cabeça na CCJ.
E há outras reformas que precisarão de boa negociação com o Congresso.
O presidente e seus filhos continuaram a artilharia nas redes sociais mirando os adversários ou supostos oponentes.
Estão atingindo o próprio governo.
Perderam tempo e energia que deveriam dedicar à busca de solução para os problemas do país.
Em alguns casos cometeram crime de divulgar notícias falsas.
O que de fato o governo ganhou com isso foi a confirmação da crítica de que o presidente Jair Bolsonaro não estava preparado para governar.
Ganhou um mandato, já pensa no próximo e ainda não sabe o que fazer para administrar o país.