Por Rogério Morais, diretor de gestão pedagógica da Secretaria de Educação da Prefeitura do Recife A tragédia de Suzano/SP ainda dói e ainda produzirá muitos ecos.
Ainda vivemos o luto, mas também sabemos que é preciso reagir.
E essa reação é de segurança, de controle, de fomento a uma cultura de paz, mas também uma reação pedagógica.
Não podemos apontar uma única causa acerca de episódios desta natureza, pois um fenômeno social é complexo e multicausal que demanda uma reflexão responsável para que posições ideológicas ou políticas não afetem a compreensão dos fatos e futuras medidas.
Neste contexto, irei focar sobre as críticas imputadas aos jogos de videogame e a relação ao comportamento agressivo dos adolescentes.
Relatos da tragédia apontam que, em alguns momentos, os participantes tentaram reproduzir cenas de jogos, bem como utilizar armas comuns nestes tipos de games.
Assim, do vice-presidente da República, o General Mourão, a “especialistas” de Whatsapp, houve muitas críticas ao videogame, apontando-o como o maior vilão da história.
Em paralelo, complementando o contexto sobre o assunto, há um processo forte de “gamificação” na educação.
Dinâmicas e narrativas dos jogos estão sendo incorporadas às aulas como estratégia didática de engajamento do estudante.
Ultrapassamos uma era onde essa estratégia começou a ser feita de uma maneira pouco atrativa, jogos somente com conteúdos puros das disciplinas, e entramos numa fase onde os conteúdos se entrelaçam com o jogo de maneira que o estudante não perceba que está estudando.
Vantagens acessórias são que, ao jogar, informações do estudante são registradas e sistemas mais avançados conseguem customizar a dificuldade dos jogos de acordo com a proficiência, permitindo uma aprendizagem adaptativa em nível individual, um sonho perseguido por muitos sistemas educacionais.
Quase sempre estes jogos também estão associados ao desenvolvimento de outras competências socioemocionais, como a colaboração, o trabalho em equipe, liderança, persistência, preparação e capacidade de planejamento, por exemplo.
Hoje, os games ganham espaço e se tornaram fortes aliados nas salas de aula.
Entretanto, jogos com mecanismos de ataque, com armas, com objetivos de aniquilar o inimigo, podem incitar o comportamento violento ao ponto de provocarem tragédias como a de Suzano? É delicado inferir algum posicionamento ou conclusões.
Antes de tudo, é preciso se apoiar na ciência, nos estudos rigorosos sobre o assunto.
Opinar com base em achismos pode servir para imputarmos “bodes expiatórios” e encobrir o problema real.
Soube de escolas particulares que já recomendaram aos pais a proibição de jogos eletrônicos.
Decisões precipitadas e, talvez, ineficazes.
Ao polemizarmos os games, podemos desviar o foco de outras questões relevantes, como o bullying, o controle do acesso às armas e o contrabando de armas, entre outros fatores.
Diversos estudos realizados no século passado não encontraram relação entre filmes violentos e crimes.
O mesmo foi feito mais recentemente em relação a jogos de videogame.
Li um post do jornalista Kao Tokio, no LinkedIn, que trouxe diversas fontes sobre o tema e, entre eles cita um livro referência no assunto, escrito pela pesquisadora Lynn Alves, “Game Over: Jogos eletrônicos e violência”, que em sua conclusão diz que a interação com os jogos eletrônicos não produzem comportamentos violentos nos jovens.
A violência emerge, então, como um sintoma que sinaliza questões afetivas (desestruturação familiar, ausência de limites) e socioeconômicas (queda do poder aquisitivo, desemprego).
Doutores do The Havard Medical Scholl Center for Mental Health and a Media, Lawrence Kutner e Cheryl K.
Olson, também não encontraram correlação entre os games e violência.
Países com tradição em games como Japão, China, Coréia e Holanda, não possuem a mesma frequência de episódios deste tipo, quanto os Estados Unidos, o que também denota claramente a necessidade avaliar outros fatores.
Sendo assim, aqui em Recife também estamos refletindo com o objetivo de ampliarmos nossa maturidade sobre o uso dos games, garantindo um processo seguro e impactante na formação de cidadãos responsáveis em nossas escolas municipais.
No dia 12 de abril, a Secretaria de Educação do Recife irá realizar um colóquio inédito junto a especialistas locais e nacionais no assunto, tal como o professor-psicólogo PhD em Educação por Berkeley Luciano Meira, e o diretor do Porto Digital, Pierre Lucena.
O evento, que acontecerá no próprio Porto Digital, é aberto aos educadores e estudantes interessados em aprender e trocar expe0riências sobre a temática.