Por Felipe Oriá, em artigo enviado ao blog Quantos cegos serão precisos para fazer uma cegueira?

A pergunta de José Saramago poderia se referir ao Cais José Estelita no Recife.

Isso porque, apesar das evidências, a Prefeitura da Cidade do Recife insiste numa cegueira de interesses particulares e imediatos, no lugar de uma visão estratégica e de longo prazo para a cidade.

Enquanto formos cegos para um plano de desenvolvimento e urbanização para o bairro do Recife e arredores, vamos nos perder na polarização de interesses como no caso do Estelita, mas também das torres gêmeas, do forte das 5 pontas e do mercado de São José.

Após conseguir alvará da prefeitura, a demolição dos armazéns começou na segunda-feira, 25, apenas para ser suspensa pela justiça no dia seguinte.

A batalha judicial promete se estender por mais alguns anos (já vão 7 na conta) enquanto quem perde são os recifenses.

Apesar de tentativas de mediar o conflito e de ajustes feitos ao projeto, a questão esbarra no problema de fundo: não é possível resolver a parte sem a visão do todo.

Enquanto a prefeitura for omissa em encontrar alternativas, ficamos com uma falsa escolha entre o Novo Recife ou um terreno abandonado.

Em contextos de cegueira voluntária, pouco vale repetir o que já se sabe.

De pouco adianta ressaltar o potencial econômico da região como centro de serviços e circulação de pessoas.

De nada serve elencar a importância da área para a integração territorial da cidade.

Tampouco enumerar as acusações de fraude no leilão do terreno.

Ou ainda os conhecidos problemas do projeto como a descaracterização de um bairro que é patrimônio histórico da cidade e a insistência em um modelo falido de altos edifícios que só reforçam problemas de trânsito e violência.

Para além dos problemas específicos do projeto Novo Recife, a atitude reflete, mais que cegueira, uma visão atrasada de um Pernambuco que segrega pessoas e espaços.

Projetos como esse reforçam o fosso social e distanciam a integração entre o Recife dos “bairros nobres” e o da maioria das pessoas.

Quando se defende um projeto de cidade com base em empregos de construção imediatos, se mostra o nível de miopia quanto ao potencial da cidade.

Não precisamos reinventar a roda.

Basta olhar para o que já funciona.

O Porto Digital busca dobrar de tamanho, passando de 10 mil para 20 mil trabalhadores.

Um motor de crescimento que exige apoio da prefeitura.

Enquanto isso, as empresas de inovação que lutam para reviver a área tem que lidar com desafios básicos de infraestrutura como uma conexão de internet instável.

A menos de 2 quilômetros do Cais, ao redor do Marco Zero, um belíssimo fluxo de pessoas, negócios e cultura, com restaurantes, eventos e atrações turísticas mostra o valor de uma cidade que foca em suas potencialidades.

Sobram inovações jurídicas para convidar o setor privado para construir um projeto de desenvolvimento a muitas mãos.

O projeto atual não é a única alternativa.

Sem uma visão para a cidade nos resta uma falsa escolha: projetos ruins ou o abandono completo.

Mas há uma terceira opção.

Então fica o desafio, qual a visão da prefeitura para o centro de inovação, empregos, arte, cultura e turismo da capital pernambucana?