A recomendação feita pelo presidente Jair Bolsonaro (PSL) ao Ministério da Defesa para que seja comemorado o aniversário do golpe de 1964 foi alvo de uma nota pública divulgada nesta terça-feira (26) pela Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC), do Ministério Público Federal (MPF).
O órgão defende que “utilizar a estrutura pública para defender e celebrar crimes constitucionais e internacionais atenta contra os mais básicos princípios da administração pública, o que pode caracterizar ato de improbidade administrativa”.
No dia 31 de março, faz 55 anos que se iniciava a ditadura militar, que durou 21 anos. “Essa iniciativa (de comemorar o aniversário do golpe) soa como apologia à prática de atrocidades massivas e, portanto, merece repúdio social e político, sem prejuízo das repercussões jurídicas”, diz o documento.
Na nota, o órgão afirma que, se a intenção for de “festejar” a derrubada de João Goulart, “o ato se reveste de enorme gravidade constitucional”.
LEIA TAMBÉM » Ação popular quer barrar comemoração do 31 de março de Bolsonaro » Termo não é comemoração, diz ministro da Defesa sobre aniversário do golpe de 64 » Bolsonaro estimula celebração do golpe militar de 1964 “Representa a defesa do desrespeito ao Estado Democrático de Direito. É preciso lembrar que, em 1964, vigorava a Constituição de 1946, a qual previa eleições diretas para presidente da República.
O mandato do então presidente João Goulart seguia seu curso normal, após a renúncia de Jânio Quadros e a decisão popular, via plebiscito, de não dar seguimento à experiência parlamentarista”, aponta o documento. “O golpe de Estado de 1964, sem nenhuma possibilidade de dúvida ou de revisionismo histórico, foi um rompimento violento e antidemocrático da ordem constitucional.
Se repetida nos tempos atuais, a conduta das forças militares e civis que promoveram o golpe seria caracterizada como o crime inafiançável e imprescritível de atentado contra a ordem constitucional e o Estado Democrático previsto no artigo 5°, inciso XLIV, da Constituição de 1988.
O apoio de um presidente da República ou altas autoridades seria, também, crime de responsabilidade (artigo 85 da Constituição, e Lei n° 1.079, de 1950).
As alegadas motivações do golpe – de acirrada disputa narrativa – são absolutamente irrelevantes para justificar o movimento de derrubada inconstitucional de um governo democrático, em qualquer hipótese e contexto”, afirma ainda. “Não bastasse a derrubada inconstitucional, violenta e antidemocrática de um governo, o golpe de Estado de 1964 deu origem a um regime de restrição a direitos fundamentais e de repressão violenta e sistemática à dissidência política, a movimentos sociais e a diversos segmentos, tais como povos indígenas e camponeses”, diz. “De fato, os órgãos de repressão da ditadura assassinaram ou desapareceram com 434 suspeitos de dissidência política e com mais de 8 mil indígenas.
Estima-se que entre 30 e 50 mil pessoas foram presas ilicitamente e torturadas”.
Presidência Em entrevista coletiva, o porta-voz da Presidência da República afirmou que “o presidente não considera 31 de março de 1964 um golpe militar”.
Segundo Rêgo Barros, na avaliação de Bolsonaro, sociedade civil e militares, “percebendo o perigo” que o País vivenciava naquele momento, se uniram para “recuperar e recolocar o nosso país no rumo". “Salvo melhor juízo, se isso não tivesse ocorrido, hoje nós estaríamos tendo algum tipo de governo aqui que não seria bom para ninguém”, afirmou.
Questionado sobre como serão as “comemorações”, Rêgo Barros disse que ficará a cargo de cada comando. “Aquilo que os comandantes acharem, dentro das suas respectivas guarnições e dentro do contexto, que devam ser feitas.” Não há previsão de que haja qualquer evento no Palácio do Planalto.
O Planalto pretende unificar as ordens do dia, textos preparados e lidos separadamente pelos comandantes militares.
Pelos primeiros esboços que estão sendo feitos pelo ministro da Defesa, Fernando Azevedo e Silva, o texto único ressaltará as “lições aprendidas” no período, mas sem qualquer autocrítica aos militares.
Em 2011, a então presidente Dilma Rousseff (PT), ex-militante torturada no regime ditatorial, orientou aos comandantes da Aeronáutica, do Exército e da Marinha a suspensão de qualquer atividade para lembrar a data nas unidades militares.
Ação popular O advogado Carlos Alexandre Klomfahs requereu à Justiça, em ação popular, que a Presidência da República se abstenha de comemorar o dia.
Na ação, o advogado afirma que a orientação de Bolsonaro “não é o interesse público e sim o jogo da classe dominante”. “Muda-se o governo prossegue o drama.
Há reiterado problema incontornável quanto à violação à moralidade administrativa”, afirmou Klomfahs.