Estadão Conteúdo - Ilona Szabó é cientista política e dirige o Instituto Igarapé, think tank de renome internacional em estudos sobre segurança pública.
Na sexta-feira passada, dia 22, ela foi convidada pelo ministro da Justiça, Sérgio Moro, para integrar, como suplente, o Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária.
Em janeiro, Ilona e Moro participaram de um debate no Fórum Econômico Mundial, em Davos, e na ocasião identificaram várias convergências de ideias.
Na quarta-feira, dia 27, Ilona foi a Brasília e fez uma apresentação de sua metodologia a Moro e ao secretário de Segurança Pública, Guilherme Teóphilo.
Nesta quinta-feira, 28, as redes sociais amanheceram com protestos contra a indicação feita por Moro - e a cientista política foi exonerada do Conselho antes de completar uma semana.
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Quem me convidou foi o ministro Sérgio Moro.
Ele me mandou um e-mail no dia 22.
Dizia que eu seria suplente num primeiro momento, mas que suplentes e titulares seriam ouvidos igualmente, e que esperaria a primeira oportunidade para me tornar titular.
Quando você e o ministro Sérgio Moro começaram a conversar sobre segurança pública?
Estivemos numa mesa em Davos e descobrimos muitas convergências.
Os três objetivos principais do ministro - a luta contra o crime organizado, combate ao crime violento e combate à corrupção - são também as três agendas principais do Instituto Igarapé, que dirijo.
A agenda do ministro, como a nossa, é uma agenda técnica Temos divergências, e disse isso a ele.
Uma é a questão das armas.
Não somos contra a posse, mas somos a favor de um maior controle no porte.
Também discordamos na questão da legítima defesa.
Abrem-se ali, a nosso ver, vários caminhos para o aumento de crimes violentos.
Num estado democrático de direito o governo tem que ter o monopólio da força, mas o policial tem que cumprir a lei.
Como e quando você soube que seria exonerada?
Soube hoje (28).
Ontem, quarta-feira, dia 27, estivemos com o ministro Sérgio Moro e sua equipe em Brasília.
Ele havia feito esse convite já em Davos, mas ainda não havia concretizado por problemas de agenda.
Expusemos os números e metodologias do Igarapé - como eu disse, temos, como o ministro, uma agenda técnica, de combate ao crime, sempre baseando-se em evidências.
Foi uma conversa ótima.
Dela participou o secretário de Segurança Pública, o general Guilherme Teophilo.
Depois de um tempo o ministro teve que sair para outra agenda e nós continuamos lá, com o general Teophilo e a equipe do ministro.
A continuação da conversa foi igualmente produtiva.
O que mudou de ontem para hoje?
Hoje começaram os comentários nas redes sociais.
Foi a polêmica do dia.
Colocaram a história na rede, e o Movimento Brasil Livre ajudou a reverberar.
São grupos que precisam de inimigos, e por isso não estão comprometidos com o debate democrático.
Hoje cedo eu estava sentindo a temperatura bastante quente.
Mandei uma mensagem para a chefe de gabinete.
O ministro Sérgio Moro me ligou de volta.
Dado o clima, eu sabia que o risco existia.
O ministro me pediu desculpas.
Disse que ele lamentava, mas estava sendo pressionado, porque o presidente Bolsonaro não sustentava a escolha na base dele.
O ministro Moro havia falado com o presidente Bolsonaro antes de convidar você?
Não sei.
Acho que não.
Eu e os integrantes do Igarapé participamos de vários conselhos na área de segurança.
No governo do Estado do Rio de Janeiro.
Na prefeitura de São Paulo.
Até na iniciativa privada - há muito anos sou conselheira da Firjan, a Federação das Indústrias do Rio de Janeiro.
Em geral, ministros e secretários têm toda a liberdade para escolher conselheiros.
Tais conselheiros costumam vir de todos os setores, com visões diferentes, diversas maneiras de ver o mundo Dá trabalho, mas é assim que a gente constrói boas políticas públicas.
Você vê algum paralelo entre seu caso e o de Mozart Araújo, outro nome técnico, que acabou sendo desconvidado do Ministério da Educação por pressão da base de Bolsonaro?
Vejo total paralelo.
Nos dois casos, ganha a polarização e perde o Brasil.
Tanto o Igarapé como o ministro Moro entendem que o diálogo é a melhor ferramenta para construir políticas públicas.
Ficou muito claro nos dois episódios que o presidente Bolsonaro ainda não se elevou à altura do cargo que ocupa.
Um presidente tem que construir diálogos e consensos.
Quando ele diz que quem pensa diferente é inimigo, mostra que não está à altura do País.
Acho que os brasileiros estão cansados disso.
Uma prova é todas as mensagens de apoio que recebi quando decidi ir para o governo, muitas delas de gente que votou contra o Bolsonaro.
Os brasileiros querem gente que pense no País, não gente que fica procurando inimigos.
Você vai continuar colaborando, ainda que informalmente, com o ministro Moro?
Uma ponte com o Instituto Igarapé abriria caminho para a ponte com outros grupos da sociedade civil.
Independentemente da não nomeação para o conselho, queremos continuar, sim, com uma conversa técnica baseada em evidências com o ministro Moro e a área de segurança pública - como aliás fazemos com vários governos, já há muito tempo, independentemente de partidos.
Lamento que o presidente não tenha conseguido falar com sua base Jogar pedra é fácil, difícil é sentar junto e trabalhar.
O Brasil precisa de gente que faça isso.