Por Gaudêncio Torquato, em artigo enviado ao blog No chiste atualizado, o venezuelano chega perto de Deus e indaga: por que o Senhor tem sido tão injusto com a Humanidade?

O subsolo do nosso país contém uma das maiores reservas do mundo em petróleo.

Temos um herói que dá brilho à nossa história, o timoneiro Simon Bolívar, hoje mera estampa atrás da cadeira de Nicolas Maduro.

Padecemos grandes necessidades: a fome, a miséria, a emigração de 3 milhões de pessoas, uma inflação de 2,5 milhões por cento ao ano.

Deus disse: tenho procurado ser justo.

Vejam o Japão. É uma tripinha de terra com tufões, mas um gigante tecnológico.

Olhe os Estados Unidos, a maior potência mundial, porém atormentada por ciclones que devastam regiões.

E o frio que, este ano, em algumas regiões chegou a menos 50º C., matando gente?

Passeie pelos encantos e da Índia e contemple as belas paisagens africanas, mas fuja da miséria daquelas paragens.

Há nessas regiões muita pobreza.

Já viu algo mais lindo que os fiordes da Noruega?

Veja o gelo que joguei lá.

Botei muito petróleo no subsolo da Arábia Saudita e do Kuwait.

Sabe por que?

Para compensar a tristeza de viver sob costumes quase desumanos.

O venezuelano se deu por vencido quando Deus arrematou: e o Brasil, com seu imenso território, sol o ano inteiro, costa monumental banhada pelo Atlântico, terras férteis, sem terremotos, ciclones e guerras?

A pergunta veio na bucha: e por que tanta condescendência?

Deus foi taxativo: vejam o povinho que coloquei lá.

Pois é, a brincadeira é conhecida, mas o brasileiro, ao viajar, não é um “canibal” que carrega tudo que vê, roubando até “o assento salva-vidas do avião”, conforme disse à Veja o ministro da Educação, o colombiano Ricardo Vélez Rodriguez.

Se ele, porém, falar da incúria, do desleixo, da irresponsabilidade dos gestores públicos, acertaria na mosca.

Por quê o RJ vive um “estado de crise”?

Por causa do desastre ambiental provocado pelas chuvas.

Sexta pela manhã, um incêndio no Centro de Treinamento do Flamengo matou 10 pessoas.

Ora, o caos que vive o mais lindo cartão postal do Brasil tem como origem a incúria dos governantes.

Onde está o planejamento urbano?

O que se faz para prevenir os impactos de enchentes nesse Estado onde a natureza faz questão de deixar sua marca?

Não é sabido, por exemplo, que no ciclo de chuvas, a região serrana do Estado registra catástrofes?

O que se dizer da tragédia de Mariana e a mais recente, a de Brumadinho, em MG, um Estado rico em minérios, cheio de montanhas?

A ganância, a ambição, o ataque feroz à natureza, perpetrado por conglomerados, são os responsáveis pela devastação e ocupação dos cemitérios.

Se não há por nossas plagas terremotos, maremotos, há fenômenos tão devastadores quanto aqueles, produzidos pela decisão humana.

Minas e Rio de Janeiro estampam a estética da barbárie.

As normas de boa conduta são jogadas na cesta do lixo.

Temos boas leis, um conjunto de disposições para proteger o meio ambiente.

São desprezadas.

Quando as catástrofes ocorrem, uns jogam a culpa em outros.

Laudos são “calibrados” para ajudar grupos.

Pressões políticas orientam decisões que driblam o roteiro técnico.

A grandeza de uma Nação não é apenas a soma de suas riquezas materiais, o produto nacional bruto. É o conjunto de seus valores, o sentimento de pátria, a fé e a crença do povo, o sentido de família, o culto às tradições e aos costumes, o respeito aos velhos, o amor às crianças, o respeito às leis, a visão de liberdade, a chama cívica que faz correr nas veias dos cidadãos o orgulho pela terra onde nasceram.

A anulação desse escopo espiritual faz das Nações uma terra selvagem.

No afã de alcançar resultados, grandes lucros, despreza-se a força da natureza, a maior do universo.

Os homens até conseguem, com obras monumentais de engenharia, driblar as forças naturais.

Sua força tecnológica cresce a olhos vistos.

Estão aí os diques, os túneis debaixo dos rios e dos mares, ícones da grandeza criativa do homem.

Mas os furacões e terremotos que devastam espaços, não fazendo concessões aos mais avançados bastiões da tecnologia, provam que a natureza não pode ser ludibriada.

O povo, dizia Lincoln, não pode ser enganado em sua totalidade durante todo tempo.

Por isso o povo, mesmo o mais sofrido, aquele do qual se tiram as energias pelas doenças, pelas sequelas, mazelas e omissão dos governantes, começa a usar a sua arma: a capacidade de tirar os dirigentes, a força para escolher seu próprio caminho.

Gaudêncio Torquato, jornalista, é professor titular da USP, consultor político e de comunicação