Estadão Conteúdo - O presidente Jair Bolsonaro (PSL) afirmou na quarta-feira (23) estar preocupado com a possibilidade de que haja uma resistência por parte de Nicolás Maduro diante da decisão de Brasil, Estados Unidos, Colômbia e outros países de reconhecer o opositor Juan Guaidó como o presidente interino da Venezuela. “Todos nós conhecemos um pouquinho Nicolás Maduro.

Esperamos o pior.

Há uma preocupação, sim”, disse Bolsonaro em declarações exclusivas ao jornal O Estado de S.

Paulo. “Mas achamos que Guaidó não receberá qualquer tipo de retaliação de Maduro, até porque o mundo está de olho nisso e os EUA também reconheceram”, completou o presidente.

Fontes do governo brasileiro e da oposição venezuelana afirmaram à reportagem que o processo para que o regime de Maduro caia está “cuidadosamente” sendo gestado e cada ato está ocorrendo dentro de um cronograma desenhado entre os EUA e países da região.

Bolsonaro participou nessa quarta-feira (23), em Davos, de uma reunião com os presidentes de Colômbia, Equador e Costa Rica, além de chanceleres do Canadá e de outros países.

Instantes depois de dar as declarações à reportagem, diante da imprensa internacional, ele confirmou a decisão do governo brasileiro. “O Brasil reconhece Guaidó como presidente da Venezuela.

O Brasil, juntamente com os demais países do Grupo de Lima, que estão reconhecendo um a um esse fato, daremos todo o apoio político necessário para que esse processo siga seu destino”, disse.

Nicolas Maduro (Foto: José Cruz/Agência Brasil)) Logo pela manhã, antes mesmo de o povo venezuelano sair às ruas, o chanceler Ernesto Araújo já estava reunido em Davos com o chanceler do Paraguai, Luis Alberto Castiglioni. “Queremos que o Grupo de Lima seja ampliado para permitir que haja um impacto”, disse o paraguaio. “Hoje, a única maneira é a pressão internacional”, declarou.

Diplomatas esperam que, com os EUA no Grupo de Lima e o Brasil fazendo parte dos Brics, possa haver uma pressão maior sobre russos e chineses, que mantêm apoio a Maduro.

Na visão de alguns governos da região, o Grupo de Lima ameaçava perder impacto se continuasse a fazer declarações de força, mas sem o envolvimento de EUA e outras potências.

Orquestrado Ricardo Hausmann, um dos venezuelanos que organiza um plano econômico para o governo que assumir depois da queda de Maduro, explicou ao Estado que o processo não ocorreu por acaso. “Em primeiro lugar, houve um esforço para encontrar uma instituição doméstica venezuelana que pudesse ser legítima.

E ela foi a Assembleia Nacional”, disse. “O segundo passo foi colocar as pessoas nas ruas e, depois, construir um apoio internacional”, disse o venezuelano ligado à Universidade Harvard.

Segundo ele, o quarto capítulo da história será convencer os militares a abandonar Maduro.

No Itamaraty, a ideia era acompanhar passo a passo o que estava ocorrendo em Caracas.

O próprio chanceler indicou que “sentiria a temperatura” das primeiras horas dos protestos para avaliar se declararia o apoio oficial à oposição.

O risco, segundo a chancelaria, era de que o protesto fosse seguido por violência.

O jornal O Estado de S.

Paulo apurou que colombianos e outros países da região queriam ter declarado apoio a Guaidó logo que os protestos começaram.

A decisão, porém, foi a de aguardar a sinalização americana, que todos sabiam que ocorreria na quarta-feira.

O anúncio do reconhecimento dos EUA ocorreu às 18 horas (15 horas em Brasília).

Neste momento, o Fórum Econômico Mundial havia organizado uma reunião fechada entre líderes da ONU e os presidentes da região, entre eles Bolsonaro.

O tema era a resposta à crise na Venezuela.

Fontes que estiveram no evento, porém, confirmaram à reportagem que o tom de fato era já o de pensar a “nova Venezuela”.

Quando a parte formal do encontro terminou, os presidentes passaram a se reunir de forma separada.

Um dos envolvidos nas conversas era Eduardo Bolsonaro, filho do presidente.

A decisão foi a de seguir o gesto americano e passar a dar apoio a Guaidó. “Acompanhamos o processo em direção à democracia para que o povo venezuelano se libere”, declarou Iván Duque, presidente da Colômbia.

Enquanto os líderes regionais faziam a declaração, membros da oposição venezuelana que estavam em Davos choravam e se abraçavam.

Um jantar organizado em Davos para os presidentes latino-americanos também se transformou em celebração diante da nova situação venezuelana.

Bolsonaro chegou até mesmo a elogiar Trump pela ajuda que ele prestava para a região.

O governo do Uruguai, integrante do Grupo de Lima, se absteve, enquanto Bolívia e México mantiveram seu apoio a Maduro.

Para o líder da oposição uruguaia, Juan Sartori, a opção pela abstenção “não representa o povo uruguaio”. “As esquerdas latino-americanas ainda mantêm uma certa aliança e eu disse hoje ao presidente Bolsonaro que lamentava a decisão do Uruguai”, disse Sartori, que também está em Davos.

O brasileiro lhe respondeu com uma sugestão: “Vença as eleições e mude a posição do Uruguai”.

Venezuela A expectativa é que Nicolás Maduro, que assumiu um novo mandato de seis anos no último dia 10, entregue o poder e que Guaidó guie a Venezuela em um período de transição.

Dias antes de Maduro assumir o novo mandato, 13 países latino-americanos reunidos sob o Grupo de Lima declararam não reconhecer a reeleição do presidente venezuelano.

Maduro governa a Venezuela há quase seis anos, em substituição a Hugo Chávez, morto em 2013, e que era presidente da Venezuela desde 1999.

Maduro, porém, qualificou como uma “tentativa de golpe”, orquestrada pelos Estados Unidos.

Segundo Maduro, o “governo imperialista” dos EUA busca impor um “golpe de Estado”, o que ele diz que evitará.

Diante disso, Maduro afirmou, durante discurso a apoiadores na sede da presidência em Caracas, que estava rompendo relações diplomáticas com a administração de Donald Trump, determinando a expulsão do país de todos os diplomatas americanos em 72 horas. “Um qualquer não pode se autointitular presidente, só o povo”, ressaltou Maduro.

Segundo ele, houve “eleições livres” na Venezuela em 15 de outubro, apesar das críticas ao processo de parte da comunidade internacional, inclusive do Alto Comissariado da Organização das Nações Unidas para os Direitos Humanos, da Organização dos Estados Americanos (OEA) e da União Europeia, bem como de vários países, como os EUA.

Por outro lado, o processo eleitoral foi apoiado por China, Irã, Rússia e Turquia, por exemplo.

Em sua fala nessa quarta-feira, Maduro disse que falou recentemente por telefone com o presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, que renovou seu apoio.

Maduro comparou o quadro atual no país ao da tentativa de golpe enfrentado pelo então presidente Hugo Chávez (1954-2013), em 11 de abril de 2002.

Ele lembrou que, na ocasião, o economista e empresário Pedro Carmona se autointitulou presidente, porém as forças de segurança retomaram o controle da situação e Chávez voltou ao posto. “Nem golpismo nem intervencionismo”, discursou o atual líder, indicado por Chávez como seu sucessor. “Quem elegeu o presidente da república foi o povo e não nos calaremos " Na opinião de Maduro, o governo americano comete “uma gravíssima insensibilidade e uma insensatez”, ao reconhecer Guaidó como presidente interino. “Hoje é um dia histórico de reafirmação de nossa soberania”, ressaltou, dizendo que os assuntos nacionais devem ser resolvidos por seu povo. “Os extremistas assaltaram o poder e querem conduzir-nos ao enfrentamento.” Maduro afirmou que seu governo defenderá a soberania “a todos custo”, com “o povo e as Forças Armadas”.

Ele lembrou que a Constituição não contempla qualquer forma de eleição de presidente que não seja o voto popular, portanto a atitude de Guaidó seria “uma questão para a Justiça, a fim de preservar o Estado”.