Estadão Conteúdo - Se Davos está tomada pela curiosidade e até certa apreensão sobre o que representa o governo de Jair Bolsonaro (PSL), que faz sua estreia internacional nesta semana, não é a primeira vez que o Fórum se transforma em um espécie de teste a um presidente brasileiro.
Em 2003, depois de uma forte volatilidade nos mercados financeiros diante da eleição, o então recém empossado Luiz Inácio Lula da Silva (PT) foi recebido na estação de esqui num clima de desconfiança e curiosidade.
Naquele momento, os mercados temiam um governo que pudesse se afastar do mundo financeiro.
Mas, em seu primeiro discurso, Lula propôs diálogo, garantiu que não atacaria o capitalismo e moderou seu discurso.
Funcionários de Davos que estiveram naquele evento há 16 anos lembram que os comentários foram de alívio.
LEIA TAMBÉM » Discurso de Bolsonaro terá destaque em Davos » Bolsonaro diz que irá a Davos defender acordos bilaterais e saúde fiscal » Sem Donald Trump, Bolsonaro deve ser destaque em Davos Em sua estreia, Lula disse o que a elite das finanças mundiais queriam ouvir: faria “reformas econômicas, sociais e políticas muito profundas, respeitando contratos e assegurando o equilíbrio econômico”.
Ele não deixou de mandar um recado. “Aqui, em Davos, convencionou-se dizer que hoje existe um único Deus: o mercado.
Mas a liberdade de mercado pressupõe, antes de tudo, a liberdade e a segurança dos cidadãos”.
Naquele momento, o discurso foi interpretado como um sinal claro de que não haveria expropriações nem um confronto com multinacionais e muito menos um questionamento do sistema financeiro.
Foto: Ricardo Stuckert/Divulgação - Foto: Ricardo Stuckert/Divulgação Foto: Ricardo Stuckert/Divulgação - Foto: Ricardo Stuckert/Divulgação Lula ainda fez um gesto inédito: participou num espaço de poucos dias do Fórum Social de Porto Alegre e de seu contraponto, na Suíça.
Aos ativistas do Sul prometeu que levaria sua agenda social aos “donos do capital”.
Presidentes de grandes bancos como o Citibank elogiaram o discurso em 2003 e o gesto do então presidente.
Bono, vocalista da banda U2, chegou a dizer que Lula havia transformado Davos e colocado a agenda social no evento.
Entre alguns de seus apoiadores, porém, houve uma certa resistência. “Lula está dando um presente para um cadáver, para um cemitério”, disse o escritor Emir Sader, que estava em Porto Alegre naquele ano.
Já o ex-presidente de Portugal, Mario Soares, chegou a dizer que o evento suíço não tinha motivo para continuar existindo. “Este Fórum existe há mais de 30 anos e está esgotado”, afirmou.
Em 2010, Lula recebeu o prêmio de estadista do ano, concedido pelo Fórum, mas não compareceu ao evento para recebê-lo.
Anos depois, acusaria Davos de não ter feito sua parte para evitar a crise mundial.
Hoje, a prisão de Lula e a corrupção em seu governo é um tema que cria saia-justa entre os organizadores do evento na Suíça.