O advogado Benedito Gomes Barbosa Junior, de 48 anos, é o mais famoso militante da legítima defesa no Brasil.

Conhecido como Bene Barbosa, é coordenador do Movimento Viva Brasil, escritor, ministra palestras sobre armamento e coordena cursos de tiro. É autor do livro “Mentiram pra mim sobre o desarmamento” (2015).

Em suas próprias palavras, “pregava no deserto” há 25 anos, quando começou a militar no segmento.

Após a aprovação, na terça-feira (15), do decreto presidencial que flexibiliza o posse de armas de fogo, Bene - que tem uma grande base de seguidores na internet - passou a ser procurado com ainda maior frequência pelos meios comunicação para expor a visão dos que são favoráveis ao uso de armas de fogo como instrumento de defesa.

Na quinta-feira (17) Bene conversou, por Skype, com o editor do JC Felipe Vieira.

Entre outras coisas, falou de suas impressões sobre o decreto, que considerou “tímido”, mas “um passo à frente”.

QUAL SUA IMPRESSÃO GERAL SOBRE O DECRETO PRESIDENCIAL QUE REGULA O POSSE DE ARMAS?

Sem dúvida foi um passo à frente, é inegável.

Mostrou o empenho do governo de tratar do tema.

Porém, o decreto pode ser considerado bastante tímido.

Poderia ter mexido em porte, em calibres, mas nada disso foi abordado.

E até onde entendi, isso não aconteceu por questões legais, mas sim por movimentação política.

Mas talvez a estratégia tenha sido essa mesmo: não mexer agora e modificar mais à frente.

ENTÃO FOI O “NÃO VAMOS COM MUITA SEDE AO POTE”… É.

Outra possibilidade é que o assunto não seja pacífico dentro do próprio governo, como eu acredito que não é.

Temos, por exemplo, o General (Guilherme) Theophilo, que agora assumiu um posto no Ministério da Justiça (PS: secretário de segurança) e eu sei que ele é contra o porte de armas para o cidadão.

Isso gera discussões internas, o que é normal, é da democracia.

As mudanças mesmo vão acontecer no Congresso Nacional.

VOCÊ MORA EM SANTA CATARINA, QUE UMA POPULAÇÃO RELATIVAMENTE BEM ARMADA.

COMO FOI A REPERCUSSÃO DO DECRETO POR AÍ?

Para quem acompanha mais de perto o tema, foi de decepção.

As pessoas esperavam mais.

E esperavam porque foi (o presidente) Jair Bolsonaro.

Se o texto tivesse sido assinado pelo (ex-presidente Michel) Temer, todo mundo estaria satisfeito, pois não se esperava nada dele nesse quesito.

Quando você espera muito, o sentimento de decepção é comum.

Para mim foi também.

Mas depois que a coisa esfria, você analisa com menos coração e mais racionalidade e vê que não é o fim do mundo, muito pelo contrário.

ENTÃO, NA SUA ÓTICA, QUAL SERIA O DECRETO IDEAL? É difícil ter alguma coisa ideal quando se fala em legislação.

Eu vou ter o ideal para mim, você o seu. É impossível esperar um decreto que tivesse 100% de posições positivas.

O que discutimos, por exemplo, foi a questão da justificativa da efetiva necessidade, que foi o principal ponto a ser modificado pelo decreto.

Ela poderia ter sido extinta.

E por que?

A lei 10.826, o Estatuto do Desarmamento, traz duas posições bem determinadas.

Para a compra de arma, aquela que você vai ter dentro da sua casa, ou dentro da empresa, você tem que declarar efetiva necessidade.

O que é isso? É unilateral.

Eu “declaro” e ponto final.

Já poderia ter matado essa discricionariedade.

Para o porte, o que a lei diz?

Que você tem que comprovar efetiva necessidade.

Ok. É muito claro que o legislador tentou fazer uma diferenciação.

Para a posse, um critério menos rigoroso e não subjetivo.

E para o porte um critério bastante subjetivo e mais rigoroso, justamente para um controle maior.

Isso poderia ser alterado e não foi.

De qualquer forma, o critério objetivo que eles encontraram, que é a taxa de homicídios acima de 10 por 100 mil habitantes por Estado, acabou pegando todos os Estados.

Os dados usados para parâmetro foram os 2016, e todos estavam acima.

A propósito, Santa Catarina tem um dos melhores índices criminais e é o Estado mais armado, onde se vende mais armamento, com o maior número de clubes de tiro e é mais tranquilo com relação a outros locais.

POR AQUI UMA CATEGORIA QUE VIBROU COM O DECRETO FORAM OS COMERCIANTES.

NO CENTRO DO RECIFE, POR EXEMPLO, QUE É UMA ÁREA MUITO CARENTE DE POLICIAMENTO, O IMPACTO FOI GRANDE.

COMO É O SENTIMENTO POR AÍ? É o mesmo.

As pessoas sabem que estão inseguras, que o Estado não vai estar lá para protegê-las, até porque é impossível as forças policiais estarem 24 horas por dia e sete dias por semana em todos os locais.

Uma coisa que precisa ser lembrada: o trâmite para se comprar uma arma continua igual.

Continua sendo caro, burocrático, não é o liberou geral que as pessoas pensam.

QUE BUROCRACIA É ESSA E COMO VOCÊ RESOLVERIA?

Uma das coisas essenciais seria retornar as emissões dos registros para as polícias civis, para as secretarias de segurança.

A Polícia Federal não tem capilaridade, não está em todo território.

Há cidades que estão muito longe de delegacias da PF, e todo trâmite vem deles, o que dificulta o acesso.

Após o decreto, certamente haverá um aumento da demanda e é preciso ver como vão cuidar disso.

Ademais, é um absurdo disponibilizar policiais para realizar um serviço burocrático, que é emitir um pedaço de papel.

Eles poderiam estar combatendo crimes.

A lei prevê a possibilidade de parcerias entre a PF e as polícias estaduais.

Se houver vontade política, a Polícia Federal pode delegar isso para as secretarias de segurança.

Você desafogaria o gargalo que é essa emissão.

A GERAÇÃO QUE TEM HOJE 40 ANOS TEVE UMA INFÂNCIA EM QUE AS ARMAS DE FOGO ERAM PARTE DO COTIDIANO, NOS FILMES E NOS BRINQUEDOS.

MAS, DE 30 ANOS PARA CÁ, MUITA COISA MUDOU.

ELAS PASSARAM A SER VISTAS DE OUTRA FORMA.

O QUE ACONTECEU PARA QUE SE MUDASSE ESSA PERCEPÇÃO?

Eu também vivi essa realidade, tive uma infância parecida com a que você descreveu.

Armas eram algo corriqueiro.

Minha mãe tinha um (revólver calibre) 32 que ficava no criado mudo, pois meu pai viajava muito.

Era comum ter arma de fogo e as pessoas não tinham essa histeria.

De repente começou a demonização do instrumento e não do crime.

Chega a década de 1990 e alguém começa a dizer que o problema é a arma.

Até hoje os jornais saem com (manchetes dizendo) “Vítima de arma de fogo”.

Ninguém é vítima de arma de fogo, é vítima de assassino que usou a arma, como poderia usar faca, pedaço de pau.

Aí criou-se a histeria de que arma é ruim, de que gera acidente, que não presta para defesa.

Tudo que acontece de mal é culpa das armas.

Mas isso está sendo revertido.

Eu ministro uma vez por mês um curso de tiro voltado para pessoas que nunca atiraram.

Gente que nunca viu pessoalmente uma arma.

E a procura tem sido muito grande de pessoas com esse perfil.

As armas de brinquedo estão voltando para as lojas, elas que tinham desaparecido do comércio, principalmente nos anos 2000.

Parece que essa demonização está se esvaindo em si mesma.

QUANTO SE TEM DE IDEOLOGIA NA DISCUSSÃO SOBRE SEGURANÇA PÚBLICA NO BRASIL?

ONDE ACABA A CIÊNCIA E COMEÇA O PROSELITISMO?

De forma geral, nossa segurança foi toda dominada ideologicamente.

Isso começa na década de 1960, no mundo acadêmico.

Essas pessoas nos anos 1970 começaram a ocupar cargos públicos e, nos últimos 30 anos, principalmente após a Constituição de 1988 - que é catastrófica no que diz respeito à segurança pública - o que se tem são projetos calcados em posições ideológicas. “Cadeia não resolve”, “o bandido é vítima da sociedade”, “a pobreza traz a criminalidade”.

Nada disso é verdade, mas se arraigou de uma forma muito forte no nosso mundo acadêmico e contaminou a nossa segurança pública.

Isso está diminuindo.

Ainda falta muito, mas o mundo real está se impondo a essas ideologias, pois está provado depois de 30 anos disso a catástrofe que é para a segurança esse tipo de contaminação.

OU SEJA, HOJE VOCÊ LEVA MENOS PORRADA DO QUE LEVAVA ANTES…

Muito menos, não tem nem comparação.

Eu pregava no deserto há 25 anos.

As pessoas diziam “você é maluco”…

E SOBRE A SUA ATUAÇÃO NESSE SEGMENTO, EXISTE ALGO POLÍTICO?

Adotei duas linhas claras.

A primeira é ser um divulgador de informações, ou seja, trazer informações com a maior profundidade possível.

Também nunca parei de aprender.

Agora, por exemplo, estou estudando as legislações de países menores, que a gente não conhece bem.

Ver o que funciona, o que trazem de bom e de ruim.

Hoje existem livros sobre o tema, muitos dos quais eu ajudei a editar no Brasil.

A segunda é a parte política.

Não como político, mas tentando fazer como os políticos façam as coisas certas nesse sentido.

Por exemplo: desde 2005 ninguém conseguiu aprovar legislações restritivas no Brasil.

Isso não acontece do dia para a noite, é resultado de conversas, de informação. É POSSÍVEL QUE ESSA QUESTÃO DO ARMAMENTO SEJA DISCUTIDA UM DIA SEM A DICOTOMIA “SOU CONTRA ARMAS, SOU DO BEM.

VOCÊ É A FAVOR, É DO MAL”?

Não acredito que isso aconteça da noite para o dia.

Sempre vai ter quem seja contra, o que é normal.

Achar que não é utopia pura.

Tem gente que acredita no bom comunismo até hoje (risos).

Mas existe a tendência a diminuir esse pensamento.

Há 20 anos tinha muito mais gente pensando assim do que hoje.

Recebo muitas mensagens de pessoas que leram o meu livro (Mentiram para mim sobre o desarmamento) e dizem “pô, eu pensava diferente, agora estou com outra visão”, ou que assistem às minhas palestras e falam “eu nunca tinha pensado por esse lado”.

Essa é a importância do debate de ideias, coisa não acontecia.

Há 20 anos era monopólio: só quem era desarmamentista tinha espaço.

Hoje não é tão diferente, mas existe a internet.

Isso foi determinante para que nossas ideias pudessem correr o mundo.

TEM PLANOS PARA OUTRO LIVRO?

Sim.

Pretendo lançar ainda esse ano uma coletânea de artigos.

Há muitos assuntos mais específicos que a gente não abordou no livro, mas o fez em artigos.

Quero um índice remissivo forte justamente para facilitar as pesquisas.

A ideia é complementar o “Mentiram pra mim…”.

Ainda não tem previsão de publicação, estou organizando tudo.