Por Marcondes de A.

Secundino* Desde a campanha presidencial de 2018, o Brasil assiste ao surgimento de um novo partido político, as Forças Armadas.

Pasmem, com os mesmos vícios dos partidos da velha república, cheio de facções e disputas internas.

Para a formação do novo governo, inicialmente, foi necessário contemplar com ministérios as três áreas militares: o Exército, a Aeronáutica e a Marinha.

O novo governo civil-militar através da distribuição dos ministérios, com o objetivo de formar uma base de apoio, garantiu o espaço das forças armadas, composto também pelo PSL e o PRB; trouxe o DEM (antiga Arena) de Gustavo Krause, Ronaldo Caiado e Rodrigo Maia, que já recebeu o apoio do governo para a reeleição à presidência da Câmara (baixa) Federal; afagou o MDB de Romero Jucá e Temer; e selou aliança com uma ala do PSDB de Aécio Neves, Geraldo Alkmin, João Doria e FHC que apoiou Bolsonaro na eleição mesmo com candidato do partido na disputa.

A velha prática que caracteriza a república cambaleante definiu a face do novo governo e explicitou o objetivo do arranjo político.

Assegurou a hegemonia política das forças armadas, tentou manter aproximação com os partidos do campo político tradicional – DEM, MDB e PSDB – e lançou fichas para atrair os partidos do conhecido centrão – NOVO, PRB, PR, PRP, PSD etc.

Estabeleceu recompensas governamentais para os heróis da Lava Jato que tiraram Lula da disputa presidencial: Moro, o ex-juiz, ganhou o superministério da Justiça (com o Coaf de brinde), e “Léo” Pinheiro, o delator do caso tríplex, recebeu a Caixa Econômica Federal por intermédio do genro.

Outros do baixo clero da Lava Jato também foram mimados com cargos.

Definiu também o seu compromisso ideológico com a indústria bélica e sua ampliação no mercado brasileiro, com o agronegócio e a manutenção dessa estrutura fundiária excludente e com o mercado financeiro e rentista, além da pauta dos valores morais reacionários, a saber, a defesa da disciplina e da hierarquia das instituições militares como ideologia dominante e o seu transbordamento para as instituições educacionais, familiares e religiosas.

Essa moldura sinaliza para a manutenção dos privilégios daqueles que estão no topo da base da pirâmide socioeconômica do Brasil, as elites políticas e econômicas, que continuam intocáveis nas propaladas reformas.

Numa outra trincheira, esse governo definiu as minorias e as políticas inclusivas e constitucionais como alvo a ser combatido.

A Constituição Brasileira é reiteradamente agredida e os direitos sociais, os direitos civis e os direitos coletivos ameaçados.

Essa prática ideológica representa o que a filósofa Marilena Chauí denomina de tentativa de desistitucionalização da República e da desmontagem da democracia por vezes disfarçado de uma economia política neoliberal.

O Estado, nesta perspectiva, deixa de ser regido pelos valores democráticos e republicanos e passa a ser considerado uma empresa.

E conclui, a consequência é “destinar os fundos públicos aos investimentos do capital e cortar os investimentos destinados aos direitos civis e sociais”.

Nesse sentido, destaco o ataque brutal do governo aos direitos territoriais indígenas e quilombolas.

Saca do casaco de general o discurso do século passado que promoveu a política indigenista tutelar ou de incapacidade civil dos povos indígenas que os apresentavam à nação como ameaça à soberania nacional e ao desenvolvimento.

Congelado no tempo, o general-ministro Augusto Heleno retoma esse discurso ideológico em pleno século XXI.

Em entrevista no dia 2 de janeiro afirma que a Declaração dos Povos Indígenas da ONU é um documento espúrio e um crime de lesa-pátria, pois a autonomia indígena, para ele, uma forma própria de governo com um território e a criação de uma bandeira e de um hino resultaria na independência do índio em relação ao Brasil.

Menciona como exemplo a possibilidade de o território Yanomami desmembrar-se do país, o que traria prejuízos irreparáveis para a nação.

Tal afirmação, além de truculenta, não passa de uma alucinação ideológica que demonstra, inclusive, ignorância sobre a relação dos povos indígenas e a sua própria contribuição para a formação do Brasil.

A retomada desse discurso autoritário pelo representante do partido das forças armadas é emblemático e revela a estratégia do governo civil-militar de justificar os ataques aos direitos territoriais, à autonomia dos povos indígenas e à legitimidade da prática antropológica ao dizer que os territórios demarcados têm por base laudos fraudulentos.

Na prática sinaliza para a manutenção dos privilégios dos ruralistas e latifundiários brasileiros. É relevante ressaltar que a antropologia praticada no Brasil goza de reconhecimento nacional e internacional pela excelência na produção científica e pelo compromisso histórico e democrático com os direitos coletivos conferidos constitucionalmente as minorias.

E a Associação Brasileira de Antropologia (ABA) tem sido referência e guardiã dessas conquistas!

Pelo exposto, embora negue por razões ideológicas, o governo civil-militar trouxe a novidade de transformar as forças armadas em partido político, mantendo as velhas práticas e fazendo opção avassaladora pela lógica de mercado, sacrificando os direitos constitucionais e as prerrogativas reguladoras do Estado brasileiro.

Nesse sentido, o que esperar desse governo umbilicalmente ligado ao norte-americano e estrategista político de extrema direita Steve Bannon, pai das fake news que vêm manipulando o sistema democrático na Europa, nos Estados Unidos e agora no Brasil? *Marcondes de A.

Secundino é doutorando em antropologia, especialista em direitos indígenas e professor universitário