O nosso habitat ideológico Por Gaudêncio Torquato, em artigo enviado ao blog A ascensão de um grupo de direita ao centro do poder no Brasil, depois de longo ciclo comandado por quadros com habitat nos espaços do centro e da esquerda do arco ideológico, abre um campo de dúvidas: esse novo grupamento terá vida longa?

A tendência de fazer o país rumar à direita conta com base sólida no seio social ou é fruto de circunstâncias, na esteira de uma polarização que envolve partidos, líderes, setores, e que, por anos a fio, procurou estabelecer uma muralha entre ricos e pobres, “nós e eles”?

A resposta implica juntar um conjunto de variáveis, a partir da análise de traços do ethos nacional.

Somos uma gente de índole pacífica, cordata, acolhedora, criativa.

Claro, observam-se traços de exagero em nossa índole: somos o país do melhor futebol do mundo; temos o pior desempenho em matéria de ética e moral; não temos muito compromisso com a verdade (em Petrolândia, nunca se tirou um pingo de petróleo; a mesma coisa em Petrolina; a Bahia de Todos os Santos?

Ah, também é a Bahia de Todos os Pecados, como atestava Jorge Amado).

Somos a terra do “mais ou menos”. “Você trabalha quantas horas por semana”? “Mais ou menos 40 horas”.

Ou o país das coisas relativas. “O senhor é católico”? “Sou, mas não costumo ir à igreja.”.

Não é isso mesmo, mestre Roberto da Matta?

Concorde-se, então, com a ideia de que o brasileiro, ante a dualidade “sim” e “não”, característica do anglo-saxão, prefere “talvez”, “depende”, “vamos ver”.

No arco ideológico, essa posição estaria mais próxima ao centro do que às margens direita e esquerda.

Esses traços superficiais, claro, não respondem às grandes questões que se fazem sobre o posicionamento político-ideológico do brasileiro.

Mas ajudam a compreender o “modus brasiliensis” de ser.

Assim, é razoável se pensar que o povo brasileiro, fruto da miscigenação do índio, do negro e do português, sinaliza uma tendência para a moderação, para a integração de propósitos, a busca da paz.

Sentimento reforçado pela coleção de gentes de outras terras que escolheram o Brasil como Pátria.

O aspecto educacional surge como outro fator para análise dos nossos costumes.

O alto índice de incultura, o subdesenvolvimento econômico, social, cultural e político marcam fortemente a frágil cidadania.

Entramos na classificação de Bobbio, onde uma “cidadania passiva” prevalece sobre a “cidadania ativa”, servindo aos interesses das elites, que manipulam os eleitores.

Por décadas a fio, cultivamos o “voto de cabresto”, como descreveu Vitor Nunes Leal, em Coronelismo, Enxada e Voto.

Só mais recentemente – mais precisamente após a CF de 88 – os cidadãos passaram a escalar o patamar mais alto da cidadania.

O fator econômico é outra bússola para verificação dos rumos da ventania ideológica.

Dinheiro no bolso, capaz de suprir as carências familiares, alimento, segurança, enfim, o conforto oferecido pelo Produto Nacional Bruto da Felicidade (PNBF) agem como motores da política.

Se o sistema político proporcionar aumento da felicidade coletiva, ganhará o apoio e os votos de eleitores, a partir das margens carentes. É quando a opção política se dá pela via do pragmatismo.

Por último, lembre-se que o PT construiu a muralha da divisão de classes, o “nós e eles”.

Por mais de três décadas, a cantilena bateu na mente nacional.

Até que se deu o estouro da boiada, os escândalos em série que vieram à tona com o mensalão.

A máscara do PT caiu.

Seus líderes foram presos.

O carismático Lula, na prisão em Curitiba, atravessa a pior fase de sua vida.

O Partido dos Trabalhadores procura um caminho.

Dito isto, voltemos às perguntas iniciais.

A resposta abriga o conjunto de fatores acima descritos.

Mas o pragmatismo deverá orientar as vontades.

Se a direita de Bolsonaro acertar e garantir o PNBF, ganhará força para continuar como habitat da maioria.

A recíproca é verdadeira.

O fato é que direita, esquerda e centro perdem importância.

Servem melhor na sinalização do trânsito.

O bolso passa a ser o termômetro do corpo nacional.

De qualquer forma, a tese pode ser esta: para manter apoio, a direita deve evitar posicionamentos radicais, evitando contribuir para o apartheid social.

E observar que a vontade nacional, por maioria, vê o centro como o espaço de harmonia e integração.

Gaudêncio Torquato, jornalista, é professor titular da USP, consultor político e de comunicação