Por Gabriel Kohlmann, analista de políticas externas da Prospectiva As discussões em torno do modo de inserção e participação do Brasil no mundo, e seus efeitos sobre a economia do país, são pontos que devem gerar atrito entre o eleito Presidente da República Capitão Reformado Jair Bolsonaro e seu futuro Ministro da Economia Paulo Guedes. É importante constatar, à despeito da retórica antipetista, a visão de mundo e concepção de Política Externa que Bolsonaro pretende impor é altamente ideologizada, nacionalista e carregada de valores conservadores, principalmente, Cristão Ocidentais.
Há dois campos de pensamento presentes na visão Bolsonarista: Nacionalismo Militar: é muito presente, entre as Forças Armadas, estudos reflexivos sobre cenários geopolíticos, com desenhos de impacto sobre a defesa e segurança nacional, observando matrizes de risco e medidas para o fortalecimento do Estado Nacional, com ações em campos e setores estratégicos.
Essa, por exemplo, é origem de seu pensamento mais nacionalista em relação à energia, Petrobras e Eletrobras. É desse viés também que trouxe o alarme sobre a presença da China do Brasil.
A China caminha para ser a principal superpotência econômica, política e militar nesse século.
No Brasil, seus investimentos concentrados, principalmente, em energia (mas também nos setores de petróleo e mineração) acendem o sinal de alerta na matriz de risco à segurança nacional do pensamento militarista, já que, uma parte relevante de um setor estratégico estaria sob responsabilidade dessa superpotência, que o Brasil não tem familiaridade nem laços estratégicos anteriores.
Anti Globalismo: É uma resposta ao “globalismo”, teoria de Relações Internacionais identificada com o Liberalismo, entende que culturas, atores não estatais, empresas e capital financeiro, populações, agendas e temas (tais como direitos humanos, meio ambiente, etc) se movem pelo mundo não respeitando fronteiras nacionais, nem valores, cultura, política e religião presentes dentro de cada Estado Nação.
O Anti Globalismo é a antítese desse processo, é a tentativa de retroceder ao status quo anterior, principalmente pela identificação de que o Ocidente (de origem Cristã) se viu menor perante o avanço asiático e de cultura e religião do médio oriente – principalmente o Islamismo.
Implementada a partir de visão de mundo de Trump, e traduzida para nós no Brasil pelo artigo do Embaixador Ernesto Fraga Araujo, cotado para Chanceler de Bolsonaro, carrega a ideia de resgate da força e tradição dos Estados Nacionais do Ocidente (a partir da concepção do Acordo de Westphalia de 1648). É considerado conservador em costumes, valores e religião, pois entende o Cristianismo como base moral e filosófica para as populações Ocidentais. É desse pensamento que deriva a tentativa de nova política brasileira em relação à Israel.
Parte de sua reflexão sobre a China também pode ser atribuída a esse anti globalismo.
Percebe-se que, o nacionalismo militar e o anti globalismo de Bolsonaro se comunicam no papel e importância que atribuem ao Estado Nacional.
Essas duas visões de mundo se contrapõem, frontalmente, ao que Paulo Guedes pretende para a inserção da economia brasileira no plano internacional.
Como corolário do liberalismo capitalista, capital, mercadorias, serviços e mão-de-obra, que devem se mover pelo mundo sem grandes travas nem barreiras.
O mercado sabe identificar polos mais dinâmicos e eficientes para cada fator de produção, e assim deve ser.
Para o Brasil, Guedes entende ser necessária uma ampla abertura comercial (de modo inclusive unilateral, tal como Collor implementou), diminuindo barreiras tarifárias e não tarifárias para a importação de bens, serviços e tecnologia.
Esse movimento, entende que o futuro ministro, levará as indústrias do país a investirem em desenvolvimento tecnológico, eficiência e serem mais competitivas.
A própria abertura permite o acesso à tecnologias e conhecimento de maneira mais fácil.
Ou seja, é o Brasil aberto ao mundo, sem fronteiras nem barreiras.
Ao mesmo tempo, a recepção de investimentos financeiros e em capital, de qualquer origem, é importante e necessária para elevar o investimento geral da economia brasileira, seja em infraestrutura, desenvolvimento industrial, serviços, e setor financeiro, diminuindo assim a necessidade de o Estado Nacional investir recursos próprios (públicos). É também, segundo o pensamento, a maneira mais eficiente de o capital gerar retorno para si e para a sociedade.
Ou seja, para Guedes, quanto maior a integração comercial e financeira do Brasil com os polos dinâmicos da economia mundial - não somente o Ocidente de Bolsonaro e Trump, mas também com a China e com os petrodólares do Oriente Médio, maior será a capacidade do país de se modernizar e desenvolver economicamente.
Há, portanto, uma disputa de visões e ideologias entre Bolsonaro e Guedes sobre como posicionar o Brasil no mundo. É possível que essa dicotomia e ambiguidade permaneçam durante os 4 anos, gerando incertezas e ineficiências na implementação da política externa e comercial.