Por Pedro Josephi, em artigo enviado ao blog Advogado, mestre em Direito e professor universitário Antes de mais nada, devemos saudar a frente democrática em defesa da soberania nacional, da civilidade, dos direitos sociais, das liberdades individuais e coletivas que se formou em torno de Fernando Haddad.

Inúmeros antipetistas ou figuras públicas que nunca votaram no PT, sejam de esquerda, centro ou direita, fizeram um gesto nobre ao declarar apoio, uns mais tardiamente, outros desde o início do segundo turno, à Haddad.

Inúmeros críticos à condução que o partido teve no País, sobretudo nos governos Dilma, se somaram a esta frente, que reuniu Cristovam Buarque, Joaquim Barbosa, Rodrigo Janot, Marina Silva, Guilherme Boulos, Marcelo Freixo, Eymael, entre diversos artistas, músicos, colunistas e analistas políticos.

Isso prova que ser maioria ou garantir hegemonia política para governar o país não é algo distante para as forças que se referenciam na centro-esquerda, mas é preciso aprender com os erros, fazer autocríticas e refletir sobre as táticas e caminhos que escolheremos.

Haddad, um quadro inteligente, preparado e crítico aos erros do PT, iniciou uma autocrítica, o que é importante, mas é preciso furar a barreira da direção burocrática, autoritária e auto centrista do partido (Jacques Wagner, ex governador da Bahia, já alertava sobre), representada por Gleisi Hoffmann.

Mas, isso é uma tarefa para o PT.

Nós fundamos o PSOL justamente por não acreditar mais que o PT seja o único instrumento para defesa dos direitos coletivos e para transformação social.

E os mais de 47 milhões de votos dados à Haddad vão muito além do PT, sem sombra de dúvidas.

E, por isso, não podemos cair no fetichismo muitas vezes presente na esquerda de falarmos para nós mesmos, sem compreender as complexidades do povo brasileiro e como a sua consciência é formada.

Dito isto, sei que uma derrota eleitoral sempre é dura de se digerir, sobretudo diante do antagonismo de ideias presentes nas candidaturas de Haddad e Bolsonaro (e dos riscos que orbitam em torno da “ideia” Bolsonaro), mas é preciso olhar o passado recente e não cometer os mesmos erros que Aécio Neves e o PSDB, derrotados em 2014, cometeram, por exemplo.

Jair Bolsonaro é o novo presidente da República. É preciso respeitar o resultado das urnas, cumprimentar o vencedor (como fez Haddad nesta manhã de segunda-feira pós segundo turno) e não colocar em xeque a vontade da maioria dos brasileiros.

Se fizermos isso, corremos o risco do melancólico fim de Aécio Neves e do PSDB, que não aceitaram o resultado das urnas em 2014 e minaram o Governo Dilma, bem como, nos afastarmos da nossa razão de existir: o povo brasileiro.

Nada de alegar fraude, de duvidar do resultado e da vontade popular.

Devemos ter parcimônia e inteligência para observar que o arranjo político partidário que elegeu Bolsonaro é frágil, e a instabilidade do seu governo será uma marca, a não ser que, como já vem sendo demonstrado nas últimas semanas (manutenção da equipe econômica, apoio à Reforma da Previdência de Temer e subsídios a setores que não geram emprego e produtividade), se cerque das estruturas partidárias tradicionais e isto significará retrocessos que serão sentidos diretamente pelo povo.

Ou seja, não precisamos “apostar no quanto pior, melhor”, mas sim, nos prepararmos com a força social que se referenciou na centro-esquerda neste segundo turno para nos reconectarmos com as bases, com as periferias, com as mães de família, com a tia evangélica, com a classe média assolada pela carga tributária, com os setores produtivos (indústrias e comércio), com os agentes de segurança pública para enfrentarmos democraticamente as propostas entreguistas que devem surgir.

E, para isso, precisamos desarmar os palanques e reconstruirmos uma força social sólida que permita frear e barrar democraticamente (ações institucionais e também de formiguinha nas bases) os projetos e propostas que afetem a nossa soberania nacional, que façam ruir as conquistas nas áreas da Educação e da Saúde, que reproduzam a perda de direitos, que entreguem as nossas riquezas (petróleo, gás, água, energia, biodiversidade) ao capital externo, que não respeitem o Estado Laico, a liberdade de expressão, e as diversidades de gênero, expressão sexual, religiosa, cultural e política presentes na nossa sociedade.

Temos e sabemos das discordâncias com o projeto em torno de Bolsonaro.

Acreditamos que não será possível recuperar os níveis de emprego e a qualidade nos serviços públicos entregando o nosso país ou privatizando tudo.

Portanto, nada mais atual do que a nossa tarefa em formular ideias, oxigenar os quadros, trazer de volta a régua ética (bandeira histórica da esquerda) para que dê legitimidade e autoridade moral para os novos interlocutores da nossa mensagem.

Vamos e devemos continuar a propor o debate, precisamos construir a consciência coletiva de que a democracia é exercida diariamente, e não apenas nas eleições, até para que a nossa vitória não seja por acidente, mas consolide uma hegemonia política que defenda um Estado transparente, democrático, desburocratizado, indutor da economia, participativo e garantidor da vida em civilidade.

Perdemos uma eleição, mas podemos gestar uma ideia, com base sólida do nosso campo político e reconectada com os anseios populares que não mais vão se render apenas à inserção no consumo e desejam uma postura vigilante, diligente e proativa contra a corrupção e os desvios institucionais.