Por Fábio Lucas, nas páginas do JC deste domingo Quatro anos atrás, a reeleição de Dilma Rousseff manteve o PT na Presidência para o quarto mandato.
Se tivesse concluído o governo, Dilma chegaria à eleição de hoje após quase 16 anos do partido no poder federal.
Mas o duro embate eleitoral com Aécio Neves (PSDB) não arrefeceu.
O clima de divisão nacional deu vazão a um “terceiro turno” que só veio encontrar termo no impeachment.
Seu vice, Michel Temer (MDB), acusado de golpismo, assumiu pregando estabilidade e defendendo reformas, que, em sua maior parte, não conseguiu promover.
Amargando uma das mais baixas popularidades da história, Temer ficou praticamente de fora da campanha eleitoral, e seu governo terá pouca influência na transmissão da faixa presidencial.
O cenário em 2018 é diferente.
O segundo turno apresenta candidaturas que se opõem, como Dilma e Aécio.
Um nome do PT estampa de novo a foto na urna.
Do outro lado, saiu o PSDB, de viés centrista, para a entrada do PSL de Jair Bolsonaro.
A disputa foi mais aguda em meios de comunicação e redes sociais.
No voto, ao menos no primeiro turno, a vantagem de Bolsonaro sobre Fernando Haddad manteve razoável distância.
Mas o divisionismo ameaça ressurgir logo após a apuração.
E o risco de um novo “terceiro turno” desponta, para a maioria dos analistas consultados pelo JC, com claras distinções e ressalvas em relação à eleição passada. “Será muito difícil que os vencidos nas urnas aceitem com tranquilidade o pronunciamento dos eleitores.
Não apenas devido às recentes quebras entre esquerda e direita, ou ao ocorrido após as eleições de 2014”, acredita o filósofo Roberto Romano.
Romano explica que, na história brasileira, desde o começo do século 20, observa-se uma alternância entre os que defendem uma nova ordem política. “Ora os progressistas denunciam a estrutura do Estado nacional como arcaica, corrupta, injusta, necessitada de mudanças urgentes, fossem elas reformas ou revolução.
Os conservadores, de seu lado, não raro deixam o papel de mantenedores do status quo para com ele romper, denunciando também estruturas de poder arcaicas, ineficazes, corruptas”.
Autor do livro Perigosas Pedaladas, sobre os bastidores da crise que levou ao fim do governo Dilma, João Villaverde é de opinião que o “terceiro turno” dificilmente será evitado. “Ele está diante de todos nós.
Tivemos 40 milhões de votos inválidos no primeiro turno, entre eleitores que pegaram as filas e diante da urna votaram branco ou nulo, e aqueles que simplesmente não foram votar.
A expectativa é de um número ainda maior de votos inválidos neste segundo turno.
Isso quer dizer que Jair Bolsonaro e Fernando Haddad disputam apenas dois terços do eleitorado”, calcula, afirmando que nesses casos a diferença de votos faz diferença: “Quanto menor ela for, mais curta será a lua de mel do vitorioso, seja quem ele for.
Em eleições apertadas, como 1989 e 2014, a lua de mel do vencedor foi curtíssima e em ambos os casos os mandatos foram concluídos pelos vices, por conta de impeachment do titular”, relembra Villaverde.
Se desta vez a vantagem de um sobre o outro pode ser maior, isso não tira a chance de problemas semelhantes.
Talvez reduza o risco de impeachment, mas não altera uma dinâmica, segundo ele. “É bom lembrar que Bolsonaro e Haddad eram os mais rejeitados pelos eleitores brasileiros desde o final do primeiro turno”, ressalta João Villaverde, que é analista de Brasil da consultoria de risco político da Medley Global Advisors (MGA).
O filósofo Pablo Capistrano concorda com a perspectiva de que um terceiro turno é quase inevitável. “Caso Haddad vença, o que parece improvável, Bolsonaro já deu indicações claras que não vai reconhecer o resultado das eleições.
E, mesmo que o candidato do PSL vença, o que parece mais provável, já há sinalizações de que ele não se contentaria em manter relações normais e institucionais com a oposição petista.
A declaração dada por Bolsonaro de que vai varrer os ‘marginais vermelhos’ numa limpeza ‘nunca antes vista’ no País soa quase como uma declaração de guerra.
Acredito que, na medida em que as fragilidades administrativas e políticas de um governo Bolsonaro se mostrarem claras, a tendência é que o candidato do PSL amplifique o clima de polarização e combate contra o PT e a esquerda, que de certo modo vai fazer com que a disputa do segundo turno se mantenha, como combustível político”, prevê Capistrano.
Doutor em história e professor do Insper, Vinicius Müller enxerga uma chance nada desprezível de que os resultados sejam questionados após as eleições de hoje.
Pelos dois lados.
Se Bolsonaro já declarou que não aceitaria nenhum resultado que não sua vitória, Haddad “levantou suspeita acerca de legalidade da candidatura de seu oponente baseado em uma reportagem de jornal que, não obstante fazer grave denúncia, nada apresentou como indício mais forte e, muito menos, prova, que sustentasse tal acusação”, cita, referindo-se à matéria da Folha de S.Paulo sobre suposta campanha irregular de Bolsonaro pelas redes sociais.
E lembra que o PT entrou com pedido de impugnação da candidatura do PSL. “É este tipo de desconfiança que promove um ambiente favorável ao chamado ‘terceiro turno’.
Se estes questionamentos forem feitos pelos eleitores mais entusiasmados de um ou de outro, a polêmica acerca da lisura eleitoral deve se transformar em algo folclórico, ‘choro de perdedor’.
Mas, se os candidatos e seus partidos e grupos políticos mais próximos assumirem o mesmo discurso, podem, de fato, estimular uma maior e mais séria dúvida sobre o funcionamento das instituições”, alerta Müller.
O ex-ministro do Meio Ambiente Gustavo Krause, por sua vez, acha que não haverá “terceiro turno” qualquer que seja o vencedor do pleito. “A democracia liberal, mesmo sofrendo ameaças globais e atacada por uma retórica extremista, tem na sua natureza as vacinas e os antídotos para superar dificuldades.
Os remédios são a moderação e a prudência que decorrem dos rituais rotineiros garantidos pelo processo democrático.
Encerrada a eleição, está consagrado o princípio da alternância do poder por meio do voto e seguem assegurados as liberdades políticas, o funcionamento das instituições, os mecanismos institucionais de controle e contrapesos dos poderes, a liberdade de imprensa e autonomia do cidadão de expressar opiniões, descontentamentos, sentimentos e a proteção aos direitos das minorias.” Vale a pena ler também Em editorial, o Estadão fala sobre o “terceiro turno” que revanchistas podem querer impor ao país e diz que Lula “abastardou campanha eleitoral” e que o PT foi que dividiu o Brasil em “nós” e ‘eles”.
Leia um trecho: “Não se chega ao estado de espírito que presidiu a campanha por acaso.
Foram anos de corrupção, desmandos e desfaçatez por parte do grupo político que, capitaneado pelo hoje presidiário Lula da Silva, chegou ao poder disposto a dali nunca mais sair – e do qual o candidato Haddad é herdeiro consagrado.
A reação a essa ofensiva antidemocrática – materializada na Operação Lava Jato -, se deve ser louvada por ter exposto o assalto que estava sendo cometido aos cofres públicos, por outro lado demonstrou lamentável inclinação para a ribalta e o messianismo.
Todos os políticos passaram a ser considerados igualmente corruptos até prova em contrário, instaurando-se um clima de caça às bruxas que só poderia resultar na emergência de políticos oportunistas que se apresentaram como “antissistema” – caso do candidato Bolsonaro.
Pouco importavam suas propostas para o País – que, aliás, ninguém sabe quais são, pois elas não foram explicitadas, limitando-se a bravatas e slogans.
O outro lado tampouco ajudou.
Ao contrário: Lula abastardou a campanha eleitoral ao usá-la escandalosamente em sua estratégia para tentar sair da cadeia, lançando como candidato um mero preposto, Fernando Haddad, e induzindo seus fanáticos seguidores a conflagrar ainda mais a Nação.
Quem realmente se importa com o País deve aceitar o dia de hoje, quando se encerra a eleição, como o ponto final desse enredo de horror.
Urge que a classe política, a começar pelos partidos que disputam o segundo turno, deixe de lado a irresponsabilidade e se esforce para colocar o interesse público em primeiro lugar.
Não é hora senão da reconciliação, e o exemplo deve partir dos líderes políticos.
Uma vez encerrada a votação e conhecido o vencedor, o próximo presidente e aqueles que estarão na oposição devem ter a grandeza de compreender que o País não pode ficar em campanha eleitoral permanente.
Há muito trabalho a ser feito, e uma parte significativa desse trabalho – como as reformas constitucionais – só poderá ser realizada se houver amplo consenso.
Para isso, o compromisso com a democracia, proclamado durante a campanha pelos dois candidatos, não pode ser da boca para fora.
Tanto quem ganhar como quem perder deve ser capaz de conviver com seu adversário, reconhecendo-lhe a legitimidade.
Mais de uma década sob governos de um partido que dividiu o País em ‘nós’ e ‘eles’ e cujos líderes nunca desceram do palanque foi o bastante para sabermos o mal que isso faz.”