JUVENTUDE DIVIDIDA Em entrevista, a doutora em filosofia e escritora Catarina Rochamonte debate a divisão política dos jovens nesta eleição Por Fábio Lucas, no JC deste sábado Doutora em filosofia e escritora, Catarina Rochamonte, nesta entrevista debate a divisão instalada na juventude brasileira após mais uma eleição presidencial marcada pela divisão nacional.
Para ela, a demonização da esquerda reproduz a desqualificação absoluta do adversário político, que se vê igualmente na demonização da direita. “Se odiarmos o adversário político, há guerra civil, e não política”, adverte a professora da Universidade Estadual do Ceará.
FÁBIO LUCAS – Quais lições a esquerda no Brasil pode tirar da eleição presidencial cujo desfecho se aproxima?
CATARINA ROCHAMONTE – Talvez, uma das lições mais importantes seja a da ousadia dos novos jovens e a temeridade dos jovens velhos.
A própria juventude ficou dividida.
Há uma juventude ávida por mudança, por progresso – no sentido real e não ideológico do termo – e há uma juventude ressabiada, resignada ou revoltada, porém centrada ainda em construções teóricas absurdas, pautada por uma ideologia nefasta e ultrapassada.
O que se vê é que o bom ânimo da juventude se mantém, mas que essa juventude precisa reavaliar valores e posturas.
Se quisermos pensar a longo prazo e não buscar mudanças imediatas para décadas de atraso político, precisamos avaliar as práticas educativas a fim de que a juventude que hoje ainda sucumbe ao peso da imposição ideológica possa ter na universidade um ar mais puro, onde se respire algo além de rebeliões inconsequentes contra inimigos ressuscitados de uma história já morta e mal compreendida.
FL – A desqualificação dos concorrentes e de seus eleitores tem sido comum.
Mas chamar Bolsonaro de fascista, por exemplo, parece não ter sido boa estratégia.
ROCHAMONTE - A esquerda tem se mostrado recalcitrante em seus erros.
Aproveito o ensejo para esclarecer que o espectro político à esquerda não deve ser também demonizado como tem sido feito ultimamente, sob o risco de reproduzirmos a tática equivocada e incorreta de desqualificação absoluta do adversário político.
O jogo político é jogo de troca e de luta no campo das ideias e propostas, mas respeitoso no trato pessoal do indivíduo por meio do qual aquela ideia ou proposta se apresenta.
Se odiarmos o adversário político há guerra civil e não política.
Não há inimigo a ser abatido, não se trata disso.
Há vozes a serem questionadas.
Se, por exemplo, a visão da esquerda sobre um determinado setor ou assunto de importância para o bem comum se apresenta como a postura mais adequada e necessária naquele momento, não faz sentido eu depreciá-la simplesmente porque a proposta surgiu no meio político que me é antípoda.
Esse avanço, porém, só se dará muito gradativamente, quando as perspectivas hoje extremistas tiverem se atenuado por meio de reflexões mais sérias e menos apaixonadas.
FL – A ascensão de Bolsonaro aponta a ocupação de um vácuo político no antipetismo.
Pode-se afirmar que este segundo turno é de fato entre os extremos do espectro político brasileiro?
ROCHAMONTE – Se não o fosse, não estaríamos nos cumes de tensão que estamos, em níveis surreais de embates políticos dentro das escolas, das universidades, dos lares, das igrejas, das redes sociais.
O que ocorre, porém, é que isso não pode ser contornado de uma hora para outra.
Entre um extremo e outro que nesse momento se digladiam não houve, nessa eleição presidencial, uma voz política saudável e eficaz que se fizesse ouvir.
Ergueram-se vozes eficazes em determinados pontos, mas não eficaz no sentido de concentrar na sua candidatura a representação da necessária catarse de um povo já saturado por décadas de corrupção, malversação da coisa pública, achincalhamento ideológico e imoralismo revestido de ímpeto de libertação.
A estrutura social não comportou o ideal revolucionário que, no Brasil, se introduzia sorrateiramente por meio da corrupção da inteligência e da corrupção no sentido estrito, mas também não logrou êxito em estruturar partidos políticos que concentrassem a energia de resistência que se desenhava.
Isso fez com que um único indivíduo e não um partido tomasse para si a representatividade desse momento histórico de resistência à mentalidade revolucionária.
A despeito dos intrínsecos valores da candidatura que ora se destaca, não podemos fechar os olhos para o fanatismo que a acompanha, sob pena de reproduzirmos, com sinal trocado, o mesmo culto à personalidade que existe da seita petista.
FL – Por que o liberalismo no Brasil só é atacado como capitalismo selvagem?
Qual o papel da Academia nisso?
ROCHAMONTE – O liberalismo no Brasil ainda não tem uma história consistente.
O liberalismo é uma tendência política cujas conquistas tornaram possíveis as lutas democráticas, uma vez que sem a liberdade de pensamento, de consciência, de crença e de expressão defendidas pelos liberais não haveria diálogo que desse ensejo ao surgimento de partidos políticos.
Ocorre, porém, que muitos partidos que surgiram no Brasil foram marcados por um ranço ideológico pouco condizente com o dinamismo político que os possibilitaram nascer.
Os partidos avançaram pautas antidemocráticas como ideais a serem perseguidos e assim tivemos e temos diversos partidos no Brasil cuja sigla faz referência ao regime socialista e comunista, regime esse que se mostrou algo desarrazoado, absolutamente ineficiente e prejudicial do ponto de vista tanto político quanto econômico.
Esse regime encontra ampla aceitação em inúmeros teóricos e defensores na Academia, e eis a culpa dela em ter afastado da direita e do centro as causas sociais.
FL – Como os partidos podem reaver causas sociais para a direita?
ROCHAMONTE – De início, conscientizando-se e conscientizando as demais pessoas de que aqueles partidos cujas siglas dão guarida ao que é nefasto não se sustentam idônea e legitimamente como representantes de nenhum dos chamados Direitos Humanos, já que o regime por eles defendido não os respeita e é da sua essência não os respeitar, pois se trata ali de visão de mundo coletivista e ideológica que fere os princípios básicos de justiça e não respeita os direitos individuais.
Que se atente bem para o fato de que os direitos humanos mais básicos são desrespeitados nos regimes socialistas defendidos pela esquerda, e todas as pautas que dizem respeito aos Direitos Humanos estarão à nossa disposição para, com muito mais legitimidade e coerência, lutarmos por elas.
FL – A propagação maciça de fake news gera uma fake democracia?
ROCHAMONTE – A democracia estar em risco devido às fake news é uma fake news.
Não é verdade que pessoas são totalmente manipuladas ou manipuláveis. É preciso entender que o contexto moderno da disseminação rápida de informações pelas redes sociais é incontornável e não dá, no meu entender, para retroceder para algo diferente. É querer demais esperar das pessoas que tenham o mínimo de cuidado e cautela ao assimilar como verdade aquilo que se lhe apresenta de relance na sua timeline ou no seu WhatsApp?
Seria estranho dizer que não compactuamos com o combate às notícias falsas.
Ocorre que falsas são todas as notícias cujo filtro ideológico deturpou sutil ou exageradamente a mensagem.
Haveria como evitar isso sem cairmos na censura?
Isso sim seria um risco, afinal, quem checa os checadores de notícias?
O Big Brother (personagem do romance 1984, de George Orwell) não pode ser a nossa proteção.
O que precisamos é de ainda mais informações e também de opiniões lúcidas que nos reabilitem e nos ajudem no confronto pessoal com a notícia.
Não esperemos autoridades competentes que autorizem ou desautorizem a disseminação de algo.
Para os casos mais agressivos que ferem a integridade moral de alguém, existem as leis que podem ser acionadas contra o detrator.
Fora disso, é chilique de quem ainda não tem o controle total sobre as novas mídias e por isso não conseguiu calar a nova Ágora, que nessas eleições se fez ouvir.