No centro dos debates das eleições, a Constituição Federal de 1988 completa trinta anos nesta sexta-feira (5).

Dois dias depois, ocorre o primeiro turno que pode decidir o destino da atual Constituição.

As duas principais candidaturas, através do programa de governo de Fernando Haddad (PT) e de uma fala do candidato a vice-presidente General Mourão (PRTB), mencionam a necessidade de convocar uma nova constituinte.

O procurador Cristiano Pimentel, do Ministério Público de Contas de Pernambuco (MPCO), falou ao blog sobre a data e as controvérsias envolvidas.

No meio jurídico, a possibilidade de uma nova constituinte é vista com preocupação.

Além da possibilidade de se retirar a autonomia do Poder Judiciário e restingir os poderes de investigação do Ministério Público, uma nova constituinte é vista por juristas como um gatilho para maior divisão social no Brasil. “O processo de modificação da atual Constituição através de emendas, apesar de difícil por exigir o voto de três quintos do Congresso, tem uma grande vantagem de exigir um consenso muito grande.

A sociedade dificilmente sai dividida de uma emenda, devido a elevada exigência de votos do Congresso.

As minorias contra as emendas acabam não sendo relevantes, nem no Congresso, nem na sociedade.

A minoria na aprovação de uma emenda não tem repercussão”, avalia o procurador Cristiano Pimentel.

Para o membro do Ministério Público, uma nova constituinte, que só demandará maioria simples para aprovação do teto constitucional, irá refletir a grande divisão social que as eleições presidenciais está revelando. “Um texto constitucional, neste momento que o Brasil vive, aprovado por uma maioria simples dos constituintes, certamente vai pender com força para um dos lados sociais deste conflito que vivemos. É um perigo para a democracia.

A Venezuela passou por duas constituições recentemente e já vimos o perigo que a imposição de uma maioria apertada.

Acabou a democracia no país vizinho”, alerta Cristiano Pimentel.

O procurador explica que não há regras definidas para as votações de uma constituinte.

Caberia aos próprios constituintes aprovar um regimento interno sobre como serão feitas as votações, como ocorreu na elaboração da Constituição de 1988, informa o procurador.

Para Cristiano Pimentel, isso pode até ensejar a aprovação de posições polêmicas pela maioria dos presentes em uma votação, mesmo que sejam minoria na própria constituinte. “A assembleia constituinte está sujeita a manobras regimentais, que podem resultar em posições polêmicas e divisórias, impostas até por uma minoria articulada dos constituintes.

Isso ocorreu na elaboração da última constituição da Venezuela”, alerta o procurador.

Para Cristiano Pimentel, apesar dos muitos defeitos, a Constituição de 1988 foi um caso de sucesso na história jurídica brasileira. “Já vamos para a oitava eleição presidencial sob a Cosntituição de 1988. É uma história de inegável sucesso na estabilização do país.

Só o Império, com a Constituição de 1824, e na República Velha, na Constituição de 1891, tivemos mais tempo de vigência de uma carta constitucional.

Não acho que este seja o momento oportuno de uma ruptura constitucional.

A Carta Cidadã de 88 tem grandes méritos”, afirma o procurador.

Para o membro do Ministério Público, os problemas poderiam ser superados com uma atuação “mais prudente” do Supremo Tribunal Federal (STF), que é o guardião da Constituição, mas, segundo Cristiano Pimentel, tem sido “uma das principais fontes de instabilidade institucional” nos últimos anos. “No Império, tinhamos o poder moderador, acima da política, nas mãos do imperador.

Na República, este papel passou para o STF.

Cabe ao tribunal moderar os conflitos institucionais, ser o fiador da estabilidade das instituições.

Obviamente, o STF não cumpre este papel nos últimos tempos.

Ao contrário, tem sido fonte de convulsão social.

Ao impedir o combate à corrupção, por alguns de seus ministros, o STF fomenta a convulsão social”, acusa Cristiano Pimentel.

O procurador tem, contudo, esperança que o novo presidente do STF, Dias Toffoli, assuma o papel de “estabilizar” o STF. “O ministro Dias Toffoli já deu bons exemplos que vai trabalhar para o STF voltar a ser um poder moderador, por exemplo, ao vetar a entrevista do ex-presidente Lula e dizer que não vai pautar mais a prisão em segunda instância este ano.

São evidentes sinais de correção de rumo no STF”, avalia Cristiano Pimentel.

Para Cristiano Pimentel, o novo mandato presidencial, seja de esquerda ou de direita, não será um momento oportuno para uma nova constituinte. “Há muita coisa para se fazer, em termos de mudança meramente legislativa.

Uma lei ordinária, por exemplo, pode aumentar penas de crimes violentos ou definir que um servidor público perca os bens em caso de enriquecimento sem explicação.

São mudanças necessárias que demandam apenas uma simples lei, sem necessidade de mudança constitucional.

Assim, não vejo como prioridade uma nova constituição.

Mesmo rasgada e atacada, Constituição de 1988 é a maior linha de defesa da nossa democracia.

Permitiu, inclusive, que governos de esquerda fossem eleitos nas urnas.

Derrubar a Constituição de 1988 será um perigo, se um dos lados do país fizer uma constituição puxando muito para o seu lado, para a sua visão de mundo”, avalia Cristiano.

O procurador alerta que um presidente forte pode influenciar qualquer assembleia constituinte para tentar perpetuar seu grupo no poder, como fizeram chaves e maduro na Venezuela. “Mesmo no Brasil, temos um exemplo recente de presidente influenciando uma constituinte em benefício próprio, como no caso da votação dos cinco anos de mandato de José Sarney.

Não crieo que o país esteja em forma para enfrentar um conflito desses, de uma nova constituinte”, lembra Cristiano Pimentel.