Por Roberto Numeriano, em artigo enviado ao blog A consumação da retirada da candidatura do ex-presidente Lula na disputa eleitoral marca, numa linha imaginária de tempo, a segunda derrota das forças democráticas diante do golpe de estado de 2016.
A primeira derrota ocorreu quando do impedimento fraudulento de Dilma Roussef, na votação de agosto daquele ano, com a perda do seu mandato.
São duas derrotas em dois ambientes institucionais muito bem demarcados: o Legislativo (Dilma) e o Judiciário (Lula).
Estes eventos constituem cenas de duas batalhas sociais, ideológicas e políticas cujos desdobramentos seguem numa dinâmica cada vez mais polarizada, na qual é nítida, desde já, a realidade de uma disputa com contornos abertos de luta de classes.
Embora difusos e diluídos nos embates contínuos – dentro dos tribunais e parlamentos, nas ruas e redes sociais –, em essência o que temos é uma disputa entre duas agendas claramente opostas: a de um país de uma elite reacionária ideologicamente e predadora economicamente, contra o projeto de um país construído sobre as bases da justiça social, com distribuição de renda, universalização do acesso ao ensino e à cultura, além do direito ao trabalho com salários justos.
A terceira batalha da I Guerra do Golpe de 2016 está em curso.
Trata-se da última oportunidade da nação brasileira recusar enxergar ou ter coragem de compreender a sua condição histórica de formação social multiétnica e miscigenada, violenta e desigual, racista e ainda miserável.
Se prevalecer, como sempre quis e quer a elite da casa-grande, a recusa em ver as causas da nossa visceral desigualdade, este país jamais será uma nação socialmente digna, solidária, humanista e rica em justiça e direitos.
Mais ainda: este país vai ferver numa guerra social que não será apenas a dos marginais das ruas, mas começará a viver abertamente a desagregação dos laços mínimos de convivência entre diferentes.
A eleição de outubro próximo será o divisor de águas de um conflito já antigo, cujos processos de radicalização político-social foram sustados e/ou mitigados pela ação providencial de líderes míticos de massas: Vargas e Lula.
Em suas épocas, estes dois homens conformaram espécies de anteparos em face de algumas tendências, no corpo social, mais radicais à direita ou à esquerda no controle das agendas econômicas e políticas.
A rigor, a conciliação de interesses entre as classes foi a pedra de toque das políticas de Lula e Vargas.
Vargas se matou para evitar um golpe.
Lula foi preso e impedido de ser candidato para a continuidade do golpe.
Recusando, como sempre, em conciliar, a casa-grande aposta tudo no confronto aberto: quer de volta o antigo país da escravatura.
Mas, pelo jeito, este pragmatismo se esgotou ou não é mais funcional diante da dinâmica econômica, ideológica e política por dentro do mundo do trabalho e da cultura modernos.
Creio que o golpe de 2016 é uma aposta radical da direita e extrema-direita nacional (em conluio por dentro de um Judiciário fascistizado e uma mídia essencialmente reacionária) no sentido de impor ao país da senzala e da oca, de povos secularmente massacrados e tangidos como bestas de carga, a agenda de um país de castas (juízes, promotores e procuradores, políticos e empresários sonegadores, rentistas e corruptos profissionais).
Como sempre ocorre, a terceira e última batalha desta I Guerra do Golpe (depois poderemos escrever o que seria ou será uma II Guerra, se a liberdade de expressão mínima não for suprimida, também) vai ser decisiva.
Esta refrega já se desenrola nas ruas e nas mídias sociais pela disputa do voto para presidente da República.
A vitória da extrema-direita do filisteu e hipócrita candidato Bolsonazi será a legitimação, pelo voto, da mais virulenta, violenta e radical agenda do Brasil do chicote da casa-grande contra os assalariados, da bala como “solução” para a questão da segurança social, da humilhação contra os negros e pardos pobres/miseráveis, da opressão contra as putas, os homossexuais e os grupos LGBT como política de Estado.
Será o horror das hordas infernais representadas por um tipo de político asqueroso e vil, não por acaso seguido por tipos violentos e inocentes úteis iludidos.
O pequeno supremo e o Congresso de maiorias corruptas, somados todos às oligarquias de uma mídia extremista que sequer cumpre a função social básica do jornalismo (informar e formar), têm culpa direta neste cenário de miséria já observável nas ruas e relações sociais.
Derrotar o filisteu Bolsonazi na terceira batalha é fundamental para propiciar aos brasileiros de boa vontade a chance de recomeçar a luta por um país livre, igualitário e fraterno.
Que Deus nos ajude no combate a essa horda de fariseus incensados por um fascista.
Roberto Numeriano é jornalista, professor, pós-doutor em Ciência Política e candidato a deputado estadual pelo Avante.