Por Roberto Numeriano, em artigo enviado ao blog A não ser por um erro tático grave, os atores do golpe de 2016 (difusamente localizados no pequeno supremo, em alguns palácios de Executivos, comandos militares, parlamento e grande mídia da oligarquia da Casa-Grande), encarceraram o ex-presidente Lula até o processo da eleição presidencial se esgotar nos seus prazos legais.

Lula só sairá do cárcere da Bastilha de Curitiba se morto ou sem meios de influenciar diretamente (em comícios e na mídia) a disputa.

Somos categóricos ao afirmar isso porque nenhum golpe deixa margem para uma retomada democrática, sobretudo pela via eleitoral.

E Lula é o maior troféu dos arreganhos fascistas que empalmaram o poder de Estado.

Mas, afinal, qual poder seria esse, e quem o exerceria, a esta altura e depois das próximas eleições?

A rigor, o golpe instaurou uma ordem política sem a centralidade dos atores do Legislativo e do Executivo (cercados e reclusos em face dos abusos e ameaças do Judiciário).

Arrogando a si o controle difuso da agenda política, este poder é quem, de fato, pelo arrivismo ousado, ilegal e/ou arbitrário de vários de seus agentes (juízes de piso, procuradores, ministros e desembargadores), toca os conflitos políticos sob a batuta da narrativa da classe média reacionária que flerta com Bolsonaro e ditadura militar, dessas do tipo que ordena a morte de presos políticos a partir do Palácio do Planalto.

Ocorre que a ação autocrática desse Judiciário ativista político-ideológico vai, em breve, esbarrar em um Legislativo e Executivo cujos novos mandatários buscarão, naturalmente, exercer em plenitude o poder conferido pelas urnas.

Este seria o cenário típico em um país onde o Estado democrático de direito estivesse assentado numa Carta Magna respeitada e defendida, em seus princípios pétreos, pelo seu (suposto) guardião principal, o apequenado Supremo Tribunal Federal (STF).

Entretanto, os exemplos estão aí às dezenas, o que temos hoje é um Estado de exceção espraiando-se na disputa entre um Judiciário de feição autoritária e dois poderes deslegitimados pela diuturna campanha de uma mídia irresponsável e partidária.

Há um vácuo de poder sobre o qual avança, deslumbrada e temerária, a toga arrogante cujo breve uso do cachimbo já deixou torta a boca.

Sem controles democráticos eficazes de suas condutas (algumas delas ao arrepio da legislação magna ou infraconstitucional), pretendem substituir os mandatos do voto pelo arbítrio de vontades individuais calcadas em convicções ideológicas, livros religiosos e facciosismo partidário (quase sempre, pró-PSDB).

O perigo de um aprofundamento autoritário espreita justamente nessa disputa.

O limite a esse esbulho da democracia pelo Judiciário deve ocorrer porque este poder (para além do seu elitismo ancestral de casta) não possui a competência nem institui o espaço para costurar consensos políticos.

Mas, uma vez derrotados Lula e o PT em outubro próximo (2º ato do golpe de Estado), vai continuar essa tara de governar o país por meio de “delações premiadas”, conduções coercitivas, mandados de prisão, liminares, habeas corpus negados ou favoráveis?

Ora, sobretudo se a eleição for a priori fraudada pelo impedimento casuístico da candidatura do ex-presidente Lula, a República Autocrática Judiciária do Brasil vai tentar estender seu poder no tempo e no espaço político pelo fato óbvio de que o produto dessa fraude será um governo com baixa legitimidade e muito vulnerável aos editoriais da Globo. (A não ser um Guilherme Boulos ou Manuela D’Avila, qual outro candidato uma vez eleito poderia enfrentar o arbítrio da toga e articular freios e contrapesos para punir e prevenir seus abusos?).

Os epígonos e profetas “lavajateiros”, sob os holofotes da ribalta, recebendo comendas interesseiras, viajando pelo mundo para tomar a bênção dos seus mestres ideológicos, certamente vão manter a sanha persecutória do lawfare e a judicialização da política.

Ao fim e ao cabo, parece-nos que a possibilidade de pôr ordem no caos passa exclusivamente por uma eleição legítima, desde já sem o impedimento casuístico de qualquer candidato.

A Justiça brasileira, que é uma instituição desacreditada por cerca de 90% da população (última pesquisa CNT/MDA), não consegue tirar o argueiro do próprio olho, mas pretende, demagogicamente, substituir os poderes e os atores legítimos constituídos.

Roberto Numeriano apresenta-se jornalista, professor, pós-doutor em Ciência Política e pré-candidato a deputado federal pelo Avante.