Estadão Conteúdo - Responsável pelo programa econômico de Ciro Gomes (PDT), Mauro Benevides Filho diz que o rigor fiscal guiará uma eventual presidência do pedetista.
Segundo o economista, que até mês passado era secretário de Fazenda do Ceará, Estado governado pelo PT, o eleitorado de esquerda precisa entender que, sem ajuste nas contas públicas, não há recursos para o governo promover políticas sociais e investir. “O primeiro passo é fazer ajuste fiscal. É compromisso inarredável da gestão Ciro”, disse.
Para aumentar receitas, ele defendeu tributar lucros e dividendos, aumentar a alíquota do imposto sobre herança e recriar a CPMF, que viria na forma de imposto temporário para reduzir a dívida pública.
Ele afirmou ainda que é preciso migrar o sistema de Previdência para o de capitalização de contas individuais, no qual a aposentadoria é resultado do que cada um poupa ao longo da vida. “Se não alterar o regime de repartição, todo governo será molestado com isso.
Vamos enfrentar”, disse.
Qual o principal problema a ser enfrentado no curto prazo?
A situação fiscal.
Ajuste não pode ter ideologia.
Não é um fim em si mesmo.
Isso é uma falácia que precisa ser demolida, sobretudo entre o pessoal mais à esquerda.
Ajuste fiscal é para que o Estado possa atender demandas da população, ter capacidade de investimento.
O governo cometeu erro grave ao, na PEC do teto de gastos, controlar despesa primária.
Investimento induz atividade econômica, emprego, renda e tributo lá na frente. É preciso avaliar alteração no teto.
Mas o teto de gastos do governo seria mantido?
Para pessoal, custeio e Previdência.
A ideia é retirar o investimento e dar flexibilidade para educação e saúde, que podem ter gasto a mais em conformidade com redução de outros gastos, inclusive o previdenciário.
Mexer na PEC dos gastos soa como fraqueza em relação ao controle do gasto.
Mas é o inverso.
Ciro tem compromisso inigualável com o rigor fiscal.
De 1991 a 2017, o maior superávit primário do governo federal foi o feito por Ciro Gomes em 1994 (quando foi ministro da Fazenda).
Marcio Pochmann, do PT, defende que problema fiscal se combate com crescimento.
Discordo.
O Estado precisa ter condições de fazer investimento e política pública.
O primeiro passo é fazer o ajuste.
Disso não abrimos mão.
O que mexer em tributos?
A primeira medida em estudo é o imposto sobre lucros e dividendos, que hoje é zero.
O potencial arrecadatório é de R$ 52 bilhões.
A segunda medida, imposto sobre heranças e doações.
Brasileiro adora comparar com os EUA.
Bem, a alíquota lá é de 24% a 45%.
Aqui, de 4% a 8%.
Não é criar imposto sobre grandes fortunas, que isso não tem efeito arrecadatório algum.
Precisamos também diminuir e, em alguns casos, acabar com desonerações.
E estamos avaliando a recriação da CPMF com finalidade exclusiva para o pagamento da dívida pública.
Recriá-la de forma transitória, com a mesma alíquota de 0,38%, compartilhada entre Estados e municípios e vinculada à estabilidade da dívida.
Não será um problema falar de novo imposto?
Novo imposto é sempre mal visto.
Mas a proposta em estudo é deixar isentas as movimentações de até R$ 3 mil ou R$ 4 mil.
Isso deixará 86% da população fora.
Esse é o charme.
O benefício é dizer a todo o mundo que serei capaz de honrar minha dívida.
Hoje, estamos numa escalada.
Ou se ajeita isso ou o Brasil vai à bancarrota.
Isso vai atrair investimento, vou atiçar a atividade econômica.
Com ajuste, o Brasil cresce como nunca.
Qual a alta na carga tributária?
Não sei ainda se aumentará.
Falo em aumentar para público específico.
Avaliamos reduzir o imposto sobre consumo e recalibrar o imposto de renda da pessoa jurídica.
Sou contra ter tributo sobre a aquisição de bens de ativos.
Investimento não pode ter tributo.
O que mudar na Previdência?
Se não alterar o regime de repartição, todo governo será molestado com isso.
Vamos enfrentar.
A ideia é adotar o sistema multipilar.
O primeiro pilar garante salário mínimo independentemente de quem paga ou não.
O segundo é um sistema de repartição, que vai até três salários mínimos, por exemplo.
Hoje ele vai até R$ 5,6 mil.
A partir daí, é regime de capitalização de contas individuais.
Essa aposentadoria é definida pelo que você produziu ao longo dos anos para aumentar o bolo e o que o patrão colocou.
Qual será a política do governo Ciro para câmbio e juros?
Câmbio é preço.
Vamos favorecer a queda de juros com condições de sustentação da economia e do setor público, não por decreto.
Haverá incentivos setoriais para aumentar competitividade?
Tenho de focar em exportar aquilo que possa produzir com mais eficiência.
Incentivo fiscal não dá certo, porque primeiro é preciso dominar a tecnologia.
O Brasil deu incentivo no setor de computação e informática, o que avançou?
Nada.
Queremos focar em alguns segmentos.
Petróleo e gás, química e farmoquímica, eletrodoméstico e eletroeletrônico, e agronegócio.
Incentivar via universidade, via pesquisa.
Deve haver maior abertura econômica? É importante para assegurar competitividade, eficiência e aumento da produtividade.
Mas, para nos expormos, não pode ser de imediato.
Tem de criar condições.
Primeiro, a estrutura de financiamento, ajustar o fiscal, baixar juros, trabalhar com o Banco Central para reduzir spread, mexer na estrutura tributária Qual é o setor menos exposto?
Vai escolhendo.
Quero que taxa de juros baixe logo com a mudança de expectativas.
No primeiro ano de governo, é fato.
Não é cortar juros na marra?
Você não derruba juros por decreto.
Baixa pelas condições.
Há ainda um tema polêmico a se falar: lei de responsabilidade fiscal, teto de gastos, regra de ouro.
Tudo é centrado no resultado primário.
O que fazem EUA e Alemanha?
Colocam teto para dívida total (incluindo gastos com juros).
Ciro respeitará contratos?
Ele já falou em tomar de volta ativos privatizados pelo governo atual.
Jamais.
Isso de tomar de volta é em relação aos poços vendidos pela Petrobrás.
Não vai quebrar contratos, vai indenizar.
O Ciro é conhecido por honrar contratos, a vida inteira.
Não existe isso em canto nenhum, nem tem exemplos.
E no caso da Eletrobrás?
O Brasil tem 144 estatais.
O grosso disso poderá ser privatizado Privatização é uma ferramenta para ampliar a estrutura de produção no País.
Isso está sendo considerado.
Agora, para ele, Petrobrás e Eletrobrás são áreas estratégicas.
Quem comprou os dois maiores poços que a Petrobrás vendeu?
Uma estatal norueguesa.
Como o eleitor de esquerda vai receber essas propostas?
O governo tem dinheiro para quê?
Será que as pessoas não vão entender que, sem ajuste, não tem dinheiro?
O eleitor de esquerda precisa de política social, quer ter escola de melhor qualidade, saúde, segurança.
Todos as propostas serão debatidas em todas as instâncias para que, em junho, Ciro bata o martelo.
Ele ainda pode rever alguns temas.
Ciro será o melhor presidente do Brasil, pode anotar.
Tudo bem flexibilizar pontos para trazer o PT para o projeto?
Dá para trazer todo mundo que compreenda que boa vontade não resolve problema, o que resolve é Estado forte com capacidade de investir.
Como fazer essas reformas num Congresso fragmentado?
O Collor tinha seis deputados e confiscou a poupança.
Para enfrentar a situação atual, precisamos usar os primeiros oito meses, porque é o momento de maior legitimidade de um governante As informações são do jornal O Estado de S.
Paulo.