Por Roberto Numeriano, em artigo enviado ao blog Se não me engano, foi Friedrich Engels, amigo de Karl Marx, quem escreveu que a história se repete primeiro como farsa, depois como tragédia.
Autoria à parte, o fato é que a “revolução” de 1964 foi uma farsa, tanto quanto o fraudulento impeachment de 2016 foi / é uma tragédia cuja cenas criminosas ainda se desenrolam.
Ambos os eventos foram típicos golpes de Estado, sendo que este prescindiu do trabuco e do coturno: basta-lhe a toga autoritária, a mídia parcial, o velho ódio de classe da Casa-Grande e, aqui e acolá, algum general desocupado arrotando ameaças.
O governador Paulo Câmara e o PSB compõem essa tragédia com uma singular característica: ambos fazem de conta que nada disso tem a ver com a infame ganância de poder que jogou o país na brutalidade de uma agenda social e econômica regressiva, antinacional e antipovo.
Talvez seja por isso que Câmara, nos últimos tempos, vive a bater na porta do ex-presidente Lula: em São Paulo ou à porta do cárcere arbitrário do pequeno juiz de Curitiba, lá está Câmara.
Não me espantaria se fosse fazer alguma pajelança eleitoral ao pé de um hipotético túmulo de Lula…
Pois Câmara é esse homem, ungido por uma morte no início de sua carreira, que está assombrado com o destino do político Lula, agora que as tenazes de um Judiciário persecutório e fascistizado (MPF, STF e juízos menores) fecharam-se sobre o líder.
Ainda que possamos acreditar num gesto verdadeiro de solidariedade (em política, o último ser humano que pôs a “mão no fogo” por uma palavra, perdeu-a com graves queimaduras), as visitas ao ex-presidente demonstram um cálculo simples do PSB: qual o jogo que é possível jogar a esta altura, relativamente à disputa pelo governo de Pernambuco?
Peço desculpas aos sensíveis de alma e estômago, mas é disso que se trata.
E Lula, apunhalado um dia desses, sabe melhor do que ninguém o que queriam alguns dos governadores na malograda visita à Bastilha da República de Curitiba.
Depois de jogar a presidente Dilma e o projeto petista na cova dos leões, o PSB quer a foto da próxima campanha.
Ou, antes, talvez queira avançar um passo a mais no caminho de uma aliança política que, se vingar, terá de infame o mesmo que terá de estúpida (sempre para o PT).
Certo…
Em um país no qual já não há mais limites morais nas três dimensões clássicas do exercício do poder de Estado, pouco importa ser solidário no câncer terminal do meu antigo adversário.
O PSB, com certo desespero, quer a força mítica de Lula para pedir votos aos pernambucanos gratos pelas tantas conquistas proporcionadas nas gestões petistas.
Mas, ao mesmo tempo, esse PSB e esse governo conformam o grupo de poder que, há alguns dias, barrou na entrada da Arena Pernambuco um casal de torcedores que vestiam uma camisa com a foto de Lula e a frase guerreira: #LulaLivre.
Esse mesmo grupo também vem sonegando o repasse dos dados sobre o número de homicídios em Pernambuco.
Liguem os pontos.
A nossa tragédia, para além do calvário pessoal de Lula, é naturalizar esse abjeto modo de “fazer” e “ser” político e política.
Vaidades togadas (e corruptas, também), ódios de classe ancestrais (o sibilar do chicote já está no ar), o espírito de vingança política em face de contínuas derrotas (PSDB, DEM e PPS), a mídia parcial e vil (quando vamos criar o controle democrático e republicano da imprensa?), os arreganhos fascistas (Bolsonaro e grupelhos à soldo de algum capital podre), tudo somado, resultou nesta terra arrasada.
O PSB e Paulo Câmara estão no caldo dessa lama, desde já e para sempre.
Pretenderiam limpar-se no calvário de Lula?
Imaginariam jogar ainda um jogo sob os termos de um cálculo típico da velha política eleitoreira, somando, qual usurário cioso, os possíveis ganhos e perdas na luta do poder pelo poder?
Ocorre que, assim como no teatro trágico, algumas lições morais o horror destes tempos sombrios pode trazer.
A primeira delas diz respeito ao fato de que a hipocrisia do combate à corrupção como mote ou agenda dos políticos já se esgotou.
A segunda delas demonstra que, no Brasil, a Justiça nunca foi cega e a Lei não é para todos. (Está aí, para todo mundo ver, o auxílio-moradia imoral de um Judiciário ineficaz e lento).
Em outras palavras, o PSB e Paulo Câmara (como, de resto, quem imagine fazer a velha política de suposta esperteza), fiadores políticos do golpe dos corruptos, não encarnam nenhuma virtude para se apresentarem ao eleitorado com qualquer discurso de “novo” ou “limpo”.
Saltar ao pescoço do Lula é a derradeira cartada de um movimento desesperado.
Só os ingênuos ou tolos não perceberiam: o PSB pretende impedir a candidatura de Marília Arraes não porque, assim, estaria robustecido em uma eventual aliança com o PT, mas porque vai tirar do jogo quem, de fato, representa a maior ameaça política à reeleição de Câmara.
O PSB sabe que a disputa real (ideológica e política) será possível apenas contra Marília, e que esta, indo ao segundo turno, certamente reunirá meios de empolgar o eleitorado progressista e popular grato ao ex-presidente Lula, esteja este preso ou não, sendo candidato ou não.
De fato, entre as três forças que reúnem condições de disputar o governo estadual, só será possível ocorrer uma polarização.
E esta será / seria entre o PSB e o PT.
Neste contexto político-ideológico considero, desde já, que uma candidatura de Marília será a melhor opção para romper com o engessamento da gestão técnica e as amarras da condução política do Estado.
Para além dos termos restritos de qualquer partido, Marília Arraes terá o nosso apoio.
Roberto Numeriano é professor, jornalista, cientista político e pré-candidato a deputado estadual pelo Avante.