Por Roberto Numeriano, em artigo enviado ao blog Quando na universidade estudamos a metodologia científica, um desafio instigante é identificar um problema, definir um conjunto de hipóteses e variáveis, além de uma ou mais teorias explicativas para elaborar uma análise o mais possível objetiva do fenômeno ou caso.
Em Ciência Política não é diferente.
E uma tarefa complexa é aquilatar previamente o poder de influência de um ator externo a um processo político específico, mas tão forte que pode ser considerado decisivo como variável interveniente na definição da vontade do eleitor.
Esta variável na eleição para o governo de Pernambuco é o ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva.
O governador Paulo Câmara e os pré-candidatos Armando Monteiro e Marília Arraes (para mim, hoje, os três mais robustos postulantes) tentam aferir o alcance político-ideológico desse fator sob perspectivas que me parecem em excesso centradas (temerariamente) numa leitura em essência eleitoral, e por isso reducionista. É como se o fator “apoio de Lula” importasse numa dimensão apenas tática, limitado em si mesmo, e não carreasse uma vertente estratégica (político-ideológica), que transcende os projetos de grupos partidários de cunho familista ou não.
Ora, se a eleição majoritária em Pernambuco deve ser pensada na perspectiva de dois prováveis turnos, qualquer cálculo dos três principais pré-candidatos requer conjugar as duas dimensões (a pragmática eleitoral e a estratégica político-ideológica).
Pelo fato de acreditar que há um mínimo de racionalidade do eleitor na decisão de votar (em um dado candidato, numa legenda, branco ou nulo) é que afirmamos que nesta eleição em especial a variável Lula vai servir como um forte parâmetro nesse cálculo.
A questão a saber é: como antecipar tal preferência na vasta rede das variáveis faixa etária, grau de escolaridade e faixa de renda por sub-região, e conjugar as duas dimensões em face da variável interveniente Lula?
A pergunta é pertinente porque é um erro reduzir a figura de Lula a um mero manancial eleitoral.
Lula (assim como foi Getúlio Vargas) é um símbolo político que encarna as agendas sociais inclusivas (com destaque para a universalização do acesso à educação, à renda mínima, à habitação e ao emprego).
Tais agendas, ao mesmo tempo, compõem uma opção também político-ideológica.
Somadas ao inegável carisma do petista junto ao povo pernambucano, desde já elas impõem a qualquer candidato não apenas buscar seu apoio, mas também “parecer-se” com ele na tradução dessas demandas.
A seguir, vamos formular algumas ideias tendo como eixo aquela pergunta, relativamente aos candidatos Armando e Marília, pois o governador / pré-candidato Câmara deve ser analisado à parte, em outra ocasião Não podemos atribuir a outra coisa, senão a uma resistência de caciques ciosos do seu poder o bloqueio nos bastidores à postulação de Marília Arraes (PT).
Sem arrodeios, quem na cúpula estadual se pauta pela aliança imediata com o PSB calcula taticamente suas possibilidades eleitorais diante da fraca performance petista nas últimas disputas proporcionais e majoritárias. É um movimento de desesperados e irracional no seu egoísmo político pessoal e institucional.
Até porque essa mesma história recente de derrotas partidárias demonstra que o “modo automático” do pragmatismo fanático é mau conselheiro: o PT elegeria pelo menos três federais se saísse sozinho em 2014.
No chapão, não elegeu ninguém.
Esse cálculo do “tudo ou nada” é em geral suicida em política, mesmo quando um ator individual ou institucional imagina que o mínimo eleitoral a ser alcançado será um máximo político-ideológico possível.
A questão é que, neste caso específico do PT estadual, qualquer ponderação elementar indica, per se, a necessidade de, pelo menos no primeiro turno, o PT lançar um candidato próprio.
Seja porque terá, muito provavelmente, chance de eleger dois ou três federais (historicamente o partido é forte no voto de legenda e tem performance mediana no somatório de votos de candidatos de ponta), seja porque se o argumento de uma aliança imediata pode servir para o primeiro turno, porque não serviria para o segundo?
Não se explica a ansiedade pela coligação (que considero mesmo infame, dada a história recente do PSB no apoio ao golpe de Estado de 2016) já neste turno, a não ser pelo pavor de alguns quadros petistas não terem condição de garantir um mandato ou reconquistar um nicho de poder na máquina estatal.
O absurdo é tanto maior quando, trazendo ao cálculo a variável Lula, sua presença será na prática exclusivamente vantajosa para o PSB na majoritária, além dos dirigentes que estiverem indicados para vice-governador e senador.
E só.
No fim das contas, um projeto de poder político e ideológico coletivo será rifado para um ou outro dirigente receber as “batatas” como lauréis de uma vitória de Pirro (“Ao vencedor, as batatas”, como diria o grande Machado).
Mas se é possível analisar alguns movimentos de históricos do PT, confesso minha dificuldade em interpretar algumas decisões recentes da oposição capitaneada pelo senador Armando Monteiro.
Mesmo diante da possibilidade de provocar uma disputa, por assim dizer, “pulverizada” de blocos pelo Palácio do Campo das Princesas, o agrupamento de centro-direita desdenha essa chance e desenha uma tática que, creio, tem em seu norte forçar uma disputa plebiscitária num aqui e agora contra a chapa governista, sejam quais forem os adversários do outro lado.
Não imagino ser outra coisa a decisão de lançar uma chapa única integrada pelo PTB, PDT, DEM, PSDB, MDB e os outros partidos da típica “cauda eleitoral”.
Considero um lance tão arriscado que não me surpreenderia se no calor das batalhas da campanha esse agrupamento (sem dúvida, potencialmente formidável para capilarizar os nomes majoritários pelas sub-regiões estaduais, mas não, necessariamente para obter o voto), perder-se na definição do discurso e na elaboração da logística de busca por massa eleitora.
Em outras palavras, é uma aposta arriscada porque parece centrada num raciocínio puramente eleitoral, somente político-ideológico de modo tangencial ou periférico.
Afinal, qual seria o discurso de um agrupamento de centro-direita (até ontem aliado central de um governo de agendas socialmente regressivas) como contraponto à gestão Paulo Câmara?
Estão apostando que a agenda política nacional não perpassará a eleição local, sobretudo tendo o ex-presidente Lula como “mártir” político ou mesmo ainda possível candidato? É estranho não calcular o fator Lula e ao mesmo tempo apostar numa disputa majoritária de caráter plebiscitário.
Não me admiraria se (a depender de quem se perfile nas outras chapas de oposição) o candidato majoritário dessa armada soçobrar logo no primeiro turno, despontando, por exemplo, o nome de Marília Arraes para um eventual segundo turno (aí sim, plebiscitário), acaso sua postulação seja chancelada pela cúpula do PT.
Tal hipótese não é absurda quando no horizonte imediato pende sobre Lula a ameaça da prisão imediata, após a negativa certa dos recursos da sua defesa ao TRF, no próximo dia 28 (Até hoje, acertei todas as sentenças dos tribunais direta e indiretamente relacionadas com os atores do golpe.
Quem, sendo isento e imparcial na análise, também não acertaria?).
A prisão de Lula vai romper não apenas mais um selo do apocalipse de infâmias e vilezas que o método do “lawfare” (o Direito do inimigo) instituiu por meio de agentes e instituições da Justiça claramente ideologizadas à direita, mas, sobretudo em Pernambuco, vai também decidir a eleição.
Lula candidato ou não, preso ou não, é muito provável que o nome por ele apoiado seja eleito (e, a depender dos eventos e do momento eleitoral, já no primeiro turno).
Assim conjecturamos porque sua prisão terá reações políticas e ideológicas dos seus admiradores e apoiadores para além do PT.
E uma dessas reações será (derivando simbolicamente da esfera política) a consagração eleitoral de quem defender seus ideais, história de lutas e agendas sociais nos palanques virtuais, eletrônicos e de rua.
Se um dia desses houve comoção histérica em torno de um morto, porque não haveria agora comoção solidária em torno de um poderoso símbolo político e social de redenção e esperança, que é o ex-presidente Lula para as camadas mais pobres?
Há um cavalo selado passando na porta do PT de Pernambuco.
Se o partido se decidir ser apenas um cavalariço de luxo do clã imperial da viúva Campos, aí já é outra história.
Roberto Numeriano é professor, jornalista, pós-doutor em Ciência Política e pré-candidato a deputado estadual, pelo Avante