Por José Paulo Cavalcanti Filho, em sua coluna no Diário de Pernambuco Semana passada, conferência (muito boa!) de Mansueto Almeida – Secretário de Acompanhamento Fiscal do Governo Federal.

No Porto Digital do Recife.

Presentes o Vice-governador, Deputados muitos, autoridades outras, parte da elite pensante local.

Mais tarde, já na fase das perguntas, um doutor teve que sair.

Para ir a missa de sétimo dia.

Os amigos estão morrendo cada vez mais.

E sempre em momentos impróprios.

Velhice, como diz minha santa mãe (92 anos), “é uma merda”.

Já indo embora, e bem em frente à porta do edifício, um reluzente carro oficial.

Com ar condicionado ligado.

E o motorista, em paz celestial, teclando seu celular.

Conversando com amigos, tantas vezes próximos, com quem não consegue se encontrar pessoalmente.

Tecnologia é, também, o exercício de uma democracia de solidão.

Pior é que o carro gastava combustível para nada.

Uma incongruência com o discurso do Secretário, que recomendava racionalidade nas ações públicas.

O doutor, vivendo sua fase de consertador do Brasil, pediu ao motorista, educadamente, para baixar o vidro.

Isso feito, pronunciou discurso fora de hora e lugar: “O senhor passa duas horas aqui, com o ar-condicionado ligado, só para seu patrão encontrar o carro friozinho.

Gastando gasolina paga com dinheiro dos contribuintes”.

O motorista, com cara de que não estava muito interessado naquele discurso, respondeu somente: “Não é gasolina não, doutor, é diesel”…

Como se estivesse dizendo que, como se trata de um combustível mais barato, não havia problema.

E se lixando para o fato de torrar nossos impostos em vão.

O doutor, indignado, insistiu: “Meu amigo, se não desligar agora, entro eu no carro, tiro a chave, volto lá para dentro com ela na mão e pergunto quem é o patrão de um motorista idiota que está lá fora, com o carro ligado, torrando nosso dinheirinho dos impostos”.

Assustado, o motorista desligou.

E o doutor foi embora, satisfeito.

Imaginando ter feito coisa boa.

Coitado dele…

A moral dessa história, para aqueles que acreditam deva toda história ter sua moral, é que aquele motorista era só um brasileiro feliz.

E, talvez, inocente.

Porque apenas reproduz exemplos que vem de cima.

Se corrupção é a regra – para prefeitos, governadores, deputados, senadores, ministros e presidentes –, qual o sentido de ser correto?

Se ninguém se preocupa com a coisa pública, por que motoristas deveriam sofrer no calor das tardes recifenses?

Aos olhos daquele homem simples, ele apenas fazia o que todos fazem.

Em resumo, precisamos ter melhores exemplos.

Oscar Wilde lembrava que “o olhar sombrio das regras não nos dá um bom exemplo” (em A Importância de ser Earnst).

Problema é que para gente demais, e independentemente de seus olhares, regras foram feitas só para serem transpassadas.

O coronel Chico Heráclio, de Limoeiro, dizia sempre: “Se a lei é fraca, a gente passa por cima.

E se é forte, passa por baixo”.

Com esse povo de Brasilia é a mesma coisa.

Há sempre maneiras de esquecer a lei.

Não tem jeito.

Mas eleições vem a caminho.

E talvez seja hora de começar a mudar o Brasil.

Pelo voto.

Sendo imperfeito esse vasto e insensato mundo, assim que o doutor dobrou a esquina, na direção do seu carro, o motorista ligou de novo o ar-condicionado.

Continuando nas suas conversas celulares com amigos distantes. “E o universo reconstruiu-se-me sem ideal nem esperança”, como nos versos finais de Pessoa (Álvaro de Campos).

E o tranquilo motorista, como o dono da Tabacaria, “sorriu”.