Por Roberto Numeriano, em artigo enviado ao blog Há quem acredite que a ação de um ator político seja menos lógica do que aparenta ser, quando colocado diante de uma escolha.

Aliás, dia desses li, com surpresa, um jornalista local já tarimbado afirmar que a política é uma “doidice”, no sentido de que não é algo permeado pela racionalidade do cálculo.

Tal afirmação buscava sustentar (e defender) o argumento que pretendia naturalizar o ensaio de aproximação entre PSB e PT, o qual se costura nos bastidores por alguns caciques petistas e socialistas.

A não ser por causa de ódios íntimos originários da luta política ou por conta de decisões idiossincráticas (fundadas antes no comportamento patológico), de resto, em geral, os políticos não são nem um pouco irracionais ou “doidos” quando buscam o poder.

Ao contrário: quem se debruçar cientificamente sobre as escolhas políticas em cada situação específica de disputa pelo poder vai perceber que os candidatos a cargos eletivos calculam o mais possível logicamente em face das diversas variáveis.

Neste instante de rearranjo da oposição para disputar o governo de Pernambuco, quem faz um destes cálculos é o senador e pré-candidato Armando Monteiro.

Dos três principais pré-postulantes (os outros dois são, para mim, Paulo Câmara e Marília Arraes), creio que Monteiro enfrenta o desafio mais complexo diante do quadro político (e ideológico) indefinido.

As variáveis apoio de Lula (sendo candidato ou não), candidatura de Marília Arraes, aliança PT/PSB, chapa única de oposição de centro-direita dos principais partidos (PTB, PDT, DEM e PSDB) ou a presença de duas chapas de oposição de centro-direita, são o intrincado nó que requer um cálculo lógico e uma fina engenharia política para antecipar os cenários do movimento das diversas forças.

Um destes cálculos o senador já fez.

E suponho que com uma temerária sofreguidão política que trairia uma ansiedade de quem está inseguro diante do quadro rarefeito e/ou cinza da cena política.

Trata-se da articulação com aqueles quatro partidos e algumas outras siglas de menor peso político-eleitoral, da qual poderão sair, pelo menos, dois nomes para concorrer ao governo estadual (um mais à direita e outro mais ao centro político).

Este cálculo é de quem aposta num indesviável segundo turno de caráter, por assim dizer, plebiscitário em termos da escolha de uma agenda de uma governança que seria menos político-ideológica, conforme a já antiga mistificação de que “gerentes” de agendas públicas a melhor resposta para a governança.

O grupo que se articula pretende encarnar uma oposição pragmática e discursivamente programática, visando um eleitorado de centro-direita e centro que estaria (mais do que nunca) interessado em eleger “gestores” e “técnicos competentes” para criar e tocar as políticas públicas.

Seria este, portanto, um diferencial em face do mandato vexaminoso do PSB, cuja gestão não foi nem política, nem “técnica”.

Ao que parece, essa oposição (supostamente acima de agendas político-ideológicas) pretende que o Estado de Pernambuco (com todas as suas especificidades ideológicas, políticas, econômicas e sociais), seja eleitoralmente como o Estado de São Paulo, cuja robusta e grande classe média sempre foi permeável aos discursos conservadores que enxergam a política como uma “técnica”.

No cálculo de Monteiro há a suposição de que o seu discurso pode disputar os mesmos votos na seara eleitoral do PSB, e, por isso, uma vez divididas as forças diante da urna, seria provável um segundo turno contra esse mesmo PSB que estaria fracionado e enfraquecido para o embate final.

Vem daí, creio, a contínua e açodada crítica do senador ao PT dos caciques em seu flerte com os socialistas.

O que explicaria essa crítica que aponta nos petistas a grave contradição de se articular com o PSB (para mim, o partido central como avalista do golpe de Estado parlamentar, pois era o único com um diferencial histórico e ideológico capaz de impedir a grande infâmia de 2016)?

Em primeiro lugar, o medo de que uma aliança PT/PSB pague a fatura do poder já no primeiro turno, a partir de uma campanha turbinada pelo apoio de Lula.

Sem dúvida, uma chapa desse tipo tende a bloquear ou, pelo menos, diminuir muito os efeitos daquela ideal “divisão de opções” de votos do espectro político-ideológico conservador.

Em outras palavras, agregados, o PT e o PSB neutralizariam e/ou esvaziariam o caráter plebiscitário de um discurso de centro-direita, pois cairia por terra o diferencial aparente de uma “oposição pura” contra um “governo puro” nos marcos desse espectro político-ideológico.

O PT, afinal (a se confirmar a chapa), até ontem oposição com uma demarcada agenda política de inclusão social, reforçaria / legitimaria um discurso de mudança do e no governo, e ainda poderia somar os votos puxados pelo apoio aberto de Lula no guia eleitoral.

Não se trata, pois, de denunciar a contradição de a vítima do golpe de Estado (o PT) se ombrear com um dos executores desse mesmo golpe.

Se fosse este o caso, o próprio Monteiro nem deveria fazer a crítica, pois golpistas (e golpistas também contra o Estado democrático de direito) também são o PSDB e o DEM.

Até agora comensais do poder Executivo, esses dois partidos e o PSB até ontem estavam irmanados nos crimes em série que desde março de 2016 atraiçoaram o regime republicano.

Não é o fato de localmente os dois terem se bandeado de modo oportunista para a oposição que os torna progressista ou “limpos” da nódoa eterna de avalistas do golpe em companhia do PSB pernambucano.

Como se vê, não é nenhuma “contradição” em ser oposição ou governo por esperteza que preocupa Monteiro.

E aqui temos a análise do segundo cálculo que, necessariamente, deriva do primeiro.

Trata-se de um cálculo radical.

O senador parece vislumbrar a possibilidade de, num provável segundo turno, ele costurar com o apoio de Lula o apoio do PT.

O real motivo da sua crítica ao flerte PT-PSB não seria geneticamente moral (dado que, como sabemos, a moral política opera numa esfera própria), mas sim inspirada pragmaticamente.

Se Marília Arraes sair sozinha com o andor do PT, e ficar pelo meio do caminho, tal possibilidade se fortalece.

Sobretudo se Monteiro não sair, neste primeiro turno, já coligado num abraço fatal e suicida com o PSDB, DEM, PPS e outras siglas irrevogavelmente do espectro político-ideológico conservador (e até reacionário, se avaliarmos as agendas que seus parlamentares costumam defender no Senado e Câmara Federal).

Cremos, por isso tudo, que o senador faz hoje dois cálculos racionais: a) torce para o PT sair numa chapa com candidatura própria: e b) pensa na costura de duas chapas de oposição originárias do grupo que tem até agora apenas produzido fotos e fumaça.

Uma disputa com quatro candidatos relevantes (Câmara, Arraes, Monteiro e um outro nome do espectro de centro-direita) parece-nos um cálculo razoável do senador para o primeiro turno.

A divisão das opções entre os quatro nomes propiciaria, muito provavelmente, o segundo turno.

Por outro lado, uma chapa PT-PSB e uma chapa PTB-PSDB-DEM é o pior dos quadros, pois implicaria o reforço de algumas variáveis já presentes e o surgimento de novos quadros imponderáveis para o cálculo político racional.

Roberto Numeriano é pós-doutor em Ciência Política, jornalista e pré-candidato a deputado estadual.