O chefe do Ministério Público do Estado de Pernambuco (MPPE), Francisco Dirceu Barros, liberou os promotores pernambucanos para participarem, em Brasília, de um protesto contra a reforma da previdência do presidente Temer (MDB).
No ato, publicado no Diário Oficial do MPPE, Dirceu Barros liberou os promotores para faltarem na última quinta-feira (1), para estarem no Distrito Federal, protestando contra a reforma de Temer.
Nos bastidores do judiciário local, de acordo com informações extra-oficiais, o ato surpreendeu membros do Tribunal de Justiça (TJPE) e juízes de primeira instância, pois o procurador geral de Justiça liberou os membros para faltarem inclusive às audiências criminais, que precisarão ser remarcadas.
Dirceu Barros orientou os promotores a pedirem o adiantamento ou adiamento das audiências criminais, inclusive as com réu preso e de tribunal do júri.
No ano passado, o blog revelou a crise institucional entre o MPPE e TJPE, pelas faltas de promotores em audiências criminais.
O Conselho da Magistratura de Pernambuco, desde 2014, orientou os juízes não adiarem audiências em casos de falta dos promotores.
O argumento do TJPE foi que os membros do MPPE “faltavam muito”, prejudicando o andamento dos processos criminais.
O Conselho Nacional de Justiça (CNJ), órgão máximo de fiscalização do Judiciário com sede em Brasília, foi provocado pelos promotores do MPPE, mas rejeitou a reclamação em setembro de 2016.
Na ocasião, o CNJ fez críticas ao MPPE, dizendo gerar perplexidade os promotores faltarem até a júris (julgamentos de homicídios) em Pernambuco.
A questão tinha ficado em “banho-maria” até o atual procurador geral de Justiça, Francisco Dirceu Barros, retomar a questão este ano.
Dirceu Barros assumiu a chefia do MPPE em janeiro de 2017.
Em declarações públicas e reuniões com outros procuradores gerais do país, Dirceu Barros começou a fazer críticas à prática do TJPE e tomar medidas jurídicas contra o órgão.
Em 9 de outubro, se reuniu com a procuradora geral da República, Raquel Dodge, pedindo que ela protocolasse uma ação contra o TJPE no Supremo.
Em 20 de novembro, chegou a organizar um seminário público, no qual os palestrantes teceram duras críticas ao TJPE.
Uma das palestras classificou a decisão do TJPE com “uma afronta ao Ministério Público”.
O próprio Dirceu Barros falou publicamente contra a magistratura na ocasião. “A realização de audiências sem promotor é um atentado ao Estado democrático de direito.
Fere, principalmente, o princípio acusatório e o amplo direito de defesa”, disse o procurador geral de Justiça, neste seminário, sobre a orientação do Conselho de Magistratura do TJPE.
Os magistrados pernambucanos não ficaram silentes sobre as críticas.
A associação da categoria enviou ao Blog de Jamildo, em 6 de dezembro, uma nota oficial rebatendo todas as declarações. “A Associação dos Magistrados de Pernambuco – AMEPE – vem a público se manifestar acerca das recentes críticas, inclusive do Excelentíssimo Procurador-Geral de Justiça, Francisco Dirceu Barros.
Ao revés das críticas, o atentado ao Estado Democrático de Direito decorreria não da realização, mas do adiamento dos atos processuais, inclusive audiências em processos envolvendo acusados presos, por ausência de Representante do Ministério Público.
A entidade também defende que o foco da discussão deveria ser solucionar a raiz do problema, pela análise e superação, por parte do Ministério Público, dos motivos que levam à ausência de promotores de justiça em audiências de instrução criminal em todo o Estado, seja buscando o provimento dos cargos vagos, seja melhor equacionando o sistema de acumulações e substituições”, disse a nota oficial da magistratura pernambucana.
O debate, sempre em alto nível, continuou.
Já no dia seguinte, 7 de dezembro, a associação de membros do MPPE mandou outra nota, rebatendo a associação de magistrados. “A Associação do Ministério Público de Pernambuco, considerando a nota divulgada pela Associação dos Magistrados de Pernambuco, que defendeu a legalidade da realização de audiências criminais sem intervenção do representante do Ministério Público, esclarece que a realização de audiência judicial, no processo penal, sem a presença do Promotor de Justiça, é causa de nulidade absoluta do ato, maculando os princípios constitucionais do devido processo legal e da ampla defesa.
Lamentavelmente, os colegas magistrados, estimulados por teratológica recomendação do Conselho da Magistratura, estão realizando as audiências criminais até mesmo quando a ausência do membro do Ministério Público é previamente justificada, agasalhando, desta forma, o entendimento segundo o qual o titular da ação penal é prescindível à atividade jurisdicional do Estado, em flagrante ofensa à Constituição Federal.
A AMPPE continuará firme e combatendo a anomalia da realização de audiências criminais sem intervenção dos promotores de justiça e repudia, com veemência, as manifestações de desprestígio e desrespeito ao Ministério Público, instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado”, disse a nota oficial dos promotores.
O último capítulo desta contenda foi a decisão de Francisco Dirceu Barros para todos os promotores do Estado recorrerem, pedindo a nulidade de todas as audiências realizadas sem a presença do representante do MPPE.
A decisão do procurador geral de Justiça foi publicada no Diário Oficial de 21 de dezembro. “A prática de se proceder a audiências criminais sem o Ministério Público, em qualquer hipótese, representa violação ao princípio da legalidade.
O Superior Tribunal de Justiça, em reforço a outros posicionamentos doutrinários sobre o tema, tem reconhecido a nulidade absoluta do processo penal em que a instrução se opera sem o Ministério Público, por violação ao sistema acusatório, entendendo que o juiz assumiria o lugar do titular da ação penal, em atividade probatória de natureza principal e não supletiva”, diz Francisco Dirceu Barros.
Em ato assinado em conjunto com o corregedor Renato Silva Filho, o chefe do MPPE orientou várias providências judiciais e administrativas para barrar a prática do TJPE, como “ingressar com Mandados de Segurança sempre que o ato for realizado sem a intervenção do MP”, “recorrer das sentenças meritórias nos processos desenvolvidos sem a intervenção do MP”, “suscitar preliminarmente a nulidade do processo por tal falta, bem como pela violação do devido processo legal e do sistema acusatório, promovendo o questionamento da matéria para fins de interposição de recurso junto aos Tribunais Superiores”.
Segundo declarações de Francisco Dirceu Barros em sessão do Conselho Superior do MPPE, informadas ao Blog por um procurador sob reserva de fonte, a intenção de Dirceu Barros é levar a questão até o Superior Tribunal de Justiça (STJ) e o Supremo Tribunal Federal (STF) através de vários recursos contra as decisões do TJPE.
A determinação de Dirceu Barros de se insurgir contra as audiências pela via judicial, sem abrir diálogo com o TJPE, estaria causando “desconforto” no TJPE e no próprio MPPE, informam fontes nas duas carreiras jurídicas. “Um membro do MPPE não poder recorrer por recorrer simplesmente, como o procurador geral está querendo.
Temos que analisar a situação concreta.
Pedir a nulidade em todo processo criminal é beneficiar bandidos e criminosos”, explicou um procurador do MPPE, sob reserva de fonte.
Para algumas pessoas do órgão, o chefe do MPPE deveria abrir um diálogo institucional com o TJPE sobre o assunto, dizem estas fontes. “Da mesma maneira que Dirceu se precipitou no caso do acordo de não persecução, tendo o MPPE que voltar atrás após o CNMP mudar aquela resolução que todo mundo sabia que era errada, ele está criando agora um conflito desnecessário com a magistratura sobre estas audiências”, criticou o mesmo procurador do MPPE, sempre sob reserva de fonte.
Uma das queixas destas fontes é que Dirceu Barros não convidou um representante da magistratura para o seminário realizado em 20 de novembro, além de ter usado o evento para fazer críticas ao TJPE.
A liberação de Dirceu Barros, para quer os promotores faltassem às audiências criminais no primeiro dia de fevereiro, colocou mais “lenha na fogueira” da crise, dizem fontes na área jurídica.