O que sabemos é uma gota, o que não sabemos um oceano Thiago Modenesi, em artigo enviado ao blog O fim do século passado foi marcado pela força do seriado Arquivo X, o mesmo durou 9 temporadas e arregimentou uma legião de fãs que estavam em busca da verdade, do desvelamento dos fatos, tudo isso numa época de vídeos-cassetes, telefones fixos, imagens ruins na TV e internet quase ausente, a série foi retomada no século XXI e já vai para sua 11ª temporada.

No quarto episódio dessa nova temporada da série o personagem principal Fox Mulder encontra com um cidadão identificado como “Doctor They” numa passagem que faz piada da lógica por trás da motivação e da busca pela verdade proposta pelo seriado desde os anos 90 do século XX.

Aqui se brinca com os conceitos presentes na mitologia do programa e se demonstra como cruelmente o tempo que se passou, apesar de relativamente pequeno, levou a mudanças que influenciaram fortemente transformações na nossa sociedade, em particular a partir da internet e redes sociais.

Em passagens geniais o curioso Dr.

They destaca que vivemos numa era de “pós-encobrimento”, que as conspirações estão à vista, nada precisa mais ser encoberto, afinal a verdade está em xeque, vivemos um momento em que tudo se tornou verdade.

Vivemos em um contexto em que ninguém mais parece se importar com a diferença entre o que é real e o que é fake (falso). “Acredite no quiser, agora todo mundo faz isso “, argumenta o personagem, vivemos realmente numa era de pós-verdades, antes todos tinham opinião sobre futebol, todos éramos um pouco juízes, agora todos queremos ser políticos, magistrados, cientistas, pensadores, filósofos, todos passaram a saber tudo sobre praticamente todos os aspectos dos mais variados assuntos.

Para que estudar?

Para que ler e buscar fundamentação sobre os fatos?

O melhor é reescrever a história ao bel prazer na lógica do século XXI, tornar personalidades históricas como Nelson Mandela estéreis politicamente, símbolos sem posição, dizer que Mandela não foi de esquerda, por exemplo, é a era do conhecimento emanando das pessoas, do eu, e não da História e da Ciência, como se isso fosse possível e palatável….

Se 10 pessoas acreditam e repercutem já se torna uma verdade no contexto atual. “Mas você tem razão, eu não posso controlar a mente das pessoas, mas acontece que não preciso, basta que alguns acreditem que posso, então você terá plantado a dúvida e depois você só precisa de um laptop”, diz o Dr.

They.

As redes sociais e a internet poderiam ter nos aproximado do debate sincero, aberto possibilidades de compartilhar e trocar conhecimentos, cumpriram o papel oposto.

A internet se transformou em espaço de disseminação de opiniões sem base cientifica ou teórica, em presunções sobre assuntos os mais variados, em briga de torcida.

Quando alguém argumenta sobre porte de armas, por exemplo, apresenta dados, pesquisas, livros e estudos mostrando que liberar armamento aumenta violência, não diminui a criminalidade, discute o preparo do cidadão para portar e outros aspectos para embasar um raciocínio lógico, cientifico e objetivo se depara nas redes com respostas de milhares dizendo-lhe para levar o bandido para sua casa, que no seu lar ele é que defende os seus, que o Estado dentro da sua residência é ele, esses argumentos disputam em pé de desigualdade com os argumentos que possuem dados para se fundamentar, por mais contraditório que pareça, esses argumentos apoiados no “eu acho” são os mais fortes nas redes!

O estudo, a busca de dados, as pesquisas, tudo isso passou a ser tratado como algo menor, os temas que se apoiam em elementos objetivos começaram a ser questionados como se não fossem plenamente verdadeiros, totalmente confiáveis.

Algo materializado na frase do presidente americano, que poderia ser dele ou não na lógica aqui posta: “ninguém sabe nada com certeza”.

A internet deu voz a muita gente, algo positivo por sinal, mas permitiu ao mesmo tempo que essas vozes fossem ouvidas sem nenhum parâmetro lógico, cientifico e objetivos.

Opiniões se juntam, apoiadas em preconceitos e “verdades” desprovidas de base, de estudos ou de dados, quando se encontram se somam e se potencializam, como combater isso? É o caso de não disputar o debate das redes?

Claro que devemos seguir disputando as redes, tentando explicar e contextualizar, ressaltando a necessidade de nos apoiarmos em verdades objetivas, que estão ancoradas em fatos, memórias e dados.

O papel da academia, da intelectualidade nunca foi tão importante, assim como ressaltar que, infelizmente, em momentos de crise se agudizam opiniões intolerantes, autoritárias e que não concebem conviver com a pluralidade de ideias, que querem se impor no grito, desligadas do mundo real, por pura vontade de moldar o mundo a sua forma.

Por fim, aqui se insere nosso país, o Brasil. É fácil compreendermos como o TRF-4 e seus magistrados proferiram a sentença contra o ex-presidente Lula e ampliaram a pena apoiados na Teoria do Domínio do Fato, eles apenas reproduziram naquele ambiente o que impera na internet e redes sociais!

A Teoria do Domínio do Fato, embora talvez não identificada com esse nome e nem ligada ao episódio específico da justiça, é um símbolo para uma turma que discute na internet a partir justamente do que, em tese, domina sobre todos os assuntos possíveis.

Demonstrar que o fato dominado não consiste em prova, que evidência ou opinião não materializa por si só algo sólido, que palavras o vento leva, mesmo que digitadas, é o desafio da boa polêmica nas redes, estas precisam ir para além de memes e fakes, é preciso disputar a opinião e ajudar parte dos que estão mergulhados no ódio venham à tona e se sintonizem nos fatos e informações reais.

Thiago Modenesi apresenta-se como professor permanente do Mestrado em Inovação e Desenvolvimento - MPID da UNIFG - Laureate e professor colaborador do Mestrado em Gestão Pública – MGP da Universidade Federal de Pernambuco - UFPE.

Além de ex-Secretário Executivo de Esporte, Lazer, Cultura e Patrimônio Histórico da Prefeitura de Jaboatão dos Guararapes/PE