A pedido do advogado Antônio Campos, a Justiça Federal de Pernambuco concedeu liminar para suspender o processo de discussão da privatização do sistema Eletrobras, incluindo a geradora regional Chesf, antigo reduto político do PSB.
Trata-se da primeira decisão desta natureza no Brasil, depois de vários pedidos semelhantes.
O próprio advogado já havia apresentado uma ação semelhante no Distrito Federal, sem êxito.
Nesta terça-feira, o deputado federal Danilo Cabral, do PSB, também apresentou uma nova ação na Justiça local.
Na peça, o advogado pede a suspensão dos efeitos jurídicos da Medida Provisória nº 814, de 28 de dezembro de 2017, reconhecendo sua inconstitucionalidade, ou a concessão de liminar que suspenda os efeitos do art. 3º da MP 814/17, de modo a retirar a Eletrobrás do Programa Nacional de Desestatização.
A liminar foi concedida pelo Juiz Federal Cláudio Kitner, da 6ª Vara Federal no Recife.
O magistrado destaca que não discute a viabilidade da manutenção de tais empresas nas mãos do Poder Público, “até porque não se desconhece que há sérios estudos a demonstrar o endividamento crescente das estatais do setor elétrico”, mas diz ver riscos na iniciativa. “…É indubitável que a medida adotada pelo Governo Federal atinge, de forma direta, o patrimônio público nacional, permitindo a alienação de todas as empresas públicas do setor elétrico para a iniciativa privada”. “Nada foi apontado pelo Chefe do Poder Executivo a justificar a urgência da adoção de uma Medida Provisória, “no apagar das luzes” do ano de 2017, para alterar de forma substancial a configuração do setor elétrico nacional, sem a imprescindível participação do Poder Legislativo na sua consecução”. “A estratégia de Governo Federal de se valer do recesso do Parlamento e das principais instituições públicas envolvidas, para editar uma medida provisória, por si só, está a indicar que há risco iminente de alienação à iniciativa privada das estatais do setor elétrico, sem o devido respeito as regras constitucionais de edição de leis ordinárias, caso não intervenha o Poder Judiciário”. “… o artifício utilizado pelo Chefe do Poder Executivo para concretizar sua política pública, se não lesa diretamente o patrimônio, porque estudos mais aprofundados não estão por ora a demonstrar, esbarra de forma violenta no princípio da moralidade”, afirma em outro ponto.
Nesta quarta-feira, o ministro de Minas e Energia (MME), Fernando Coelho Filho, havia dito que o projeto de lei sobre a privatização da Eletrobras deve ser enviado ao Congresso alguns dias antes do fim do recesso parlamentar, no início de fevereiro. “A MP trata da privatização das distribuidoras.
Ela só tem apenas um artigo que muda a lei que permite colocar a Eletrobras dentro do PND (Plano Nacional de Desestatização).
Estamos fazendo isso para poder dar tempo de contratar todos os estudos e as assessorias.
Porém, toda modelagem do processo, revitalização do rio, descotização, capitalização, emissão de novas ações serão definidos via projeto de lei, que ainda será enviado ao Congresso Nacional”, afirma Fernando Filho.
Segundo ele, a proposta já está pronta e está nas mãos da Casa Civil, órgão do governo responsável pelas análises finais da proposta. “A Casa Civil verá o melhor timing com a liderança do governo para o envio, mas, de qualquer forma, achamos que é melhor deixar para enviar o projeto mais próximo do reinício do ano legislativo”, disse o ministro.
LEIA TAMBÉM » Deputado aciona Justiça para barrar MP da privatização da Eletrobras » MP que permite privatização da Eletrobras é alvo de ação na Justiça » Maia diz que MP é ‘instrumento autoritário’ para vender Eletrobras » Fiesp pediu a Temer que suspensão do processo de privatização da Eletrobras Coelho Filho afirmou que o projeto de lei vai tratar de todas as questões que dizem respeito à privatização da Eletrobras, como o plano de revitalização do Rio São Francisco e a criação de uma golden share, que dará ao governo poder de veto em alguns temas relacionados à companhia.
Sobre a golden share, ele garantiu que o assunto já foi acertado com os ministérios do Planejamento e da Fazenda.
Inicialmente, o Ministério da Fazenda se colocava contra o mecanismo.
Sobre a Medida Provisória (MP) 814, publicada no fim de 2017, Coelho Filho disse que ela diz respeito a questões das distribuidoras da Eletrobras. “A única coisa da MP 814 que trata da Eletrobras é a alteração de uma lei que coloca a companhia no Plano Nacional de Desestatização (PND), para que a empresa tenha condições de contratar estudos necessários para a privatização em tempo hábil”, afirmou.
O ministro reiterou que o acordo firmado com o Congresso, para que a privatização fosse tratada via projeto de lei, não foi quebrado.
O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), disse que não iria pautar a MP 814 para votação porque considerava que o acordo havia sido descumprido pelo governo. » PSB usa programa partidário para criticar privatização da Eletrobras e Chesf » Paulo Câmara comemora rejeição do Congresso à privatização da Eletrobras » Privatização da Eletrobras ocorrerá por meio de aumento de capital » CCJ aprova referendo sobre privatização da Eletrobras “Inicialmente pensamos em fazer tudo via medida provisória, pois ela passaria a valer imediatamente, mas atendendo às ponderações de Maia e Eunício (Oliveira, senador pelo PMDB-CE e presidente da Casa), concordamos que era melhor que o assunto fosse tratado via PL”, explicou.
De acordo com ele, todos os assuntos que dizem respeito à holding, como privatização, capitalização, emissão de ações, descotização, golden share e revitalização do São Francisco, serão tratados pelo projeto de lei.
Veja abaixo a íntegra da decisão DECISÃO 1.
Trata-se de Ação POPULAR proposta por ANTONIO RICARDO ACCIOLY CAMPOS em desfavor da UNIÃO FEDERAL - UNIÃO, AGENCIA NACIONAL DE AGUAS - ANA, AGENCIA NACIONAL DE ENERGIA ELETRICA - ANEEL, CHESF - COMPANHIA HIDRO ELETRICA DO SÃO FRANCISCO, ELETROBRAS TERMONUCLEAR S.A. - ELETRONUCLEAR, MICHEL MIGUEL ELIAS TEMER LULIA, WILSON FERREIRA JUNIOR, COMITÊ GESTOR DO PROGRAMA DE REVITALIZAÇÃO DA BACIA HIDROGRÁFICA DO RIO SÃO FRANCISCO, CONSELHO DO PROGRAMA DE PARCERIA DE INVESTIMENTOS PPI.
Em sede de liminar, pugna pela suspensão dos efeitos jurídicos da Medida Provisória nº 814, de 28 de dezembro de 2017, reconhecendo sua inconstitucionalidade incidental, ou a concessão de liminar que suspenda os efeitos do art. 3º da MP 814/17, a qual revogou os dispositivos da lei 10.848/2004, retirando a Eletrobrás do Programa Nacional de Desestatização. 2.
Em apertada síntese, o autor aduz que: a) a edição da MP 814 prejudicou os interesses da população, vez que, ao revogar o §1º do art. 31 da lei 10.848, permitiu a privatização das distribuidoras da Eletrobrás (CEPISA, CEAL, ELETROACRE, CERON, Boa Vista Energia e Amazonas Distribuidora); b) a MP é flagrantemente inconstitucional e, de tal modo, precisa ser assim declarada, mesmo que em sede incidental, pois não possui urgência, violando um rol de dispositivos legais e constitucionais; c) a privatização da Eletrobrás possui desvio de finalidade que vicia a iniciativa desde o seu nascedouro, a viabilizar, desde já, a presente ação popular; d) A consulta pública nº 33, de 05.07.2017, sobre o Aprimoramento do Marco Legal do Setor Elétrico, e a consulta pública nº 32, de 03.07.2017, sobre os Princípios para a Reorganização do Setor Elétrico Brasileiro, foram viciadas de nulidades, irregularidades, falta de transparência e diálogo com os setores interessados, não tiveram prazo razoável para a relevância e profundidade da questão, o que fere o princípio constitucional da razoabilidade, ferindo ainda princípios basilares dos atos administrativos, pelo que seus efeitos devem ser suspensos ou mesmo cassados, em sede de tutela, ou ter posterior anulação e consequente reabertura do prazo.
Ao final, requer a concessão de medida liminar. 3.
Inicial acompanhada por documentos. 4.
Sumariada a petição inicial, passo ao exame do pleito prefacial. 5.
Principio por analisar a competência para processamento e julgamento da presente demanda.
No julgamento da AO-QO 859, da relatoria da Ministra Ellen Gracie, o STF firmou a compreensão de que o juízo de primeiro grau é competente para julgar a ação popular proposta em face de Presidente da República, diante da ausência de previsão constitucional de prerrogativa de foro de tal autoridade. 6.
Dessa forma, tenho por competente este juízo federal para apreciar o presente remédio constitucional. 7.
Avanço ao exame da legitimidade do autor para figurar no pólo ativo desta excepcional via constitucional.
A ação popular, visando impugnar atos praticados pelo poder público lesivos ao patrimônio público, ao meio ambiente ou à moralidade administrativa, como se sabe, nos termos do art. 5º, inciso LXXIII, da Constituição Federal, pode ser proposta por qualquer cidadão, que, como substituto processual da coletividade, defende direitos próprios à cidadania. 8.
Dentre os diversos documentos que instruem a peça inaugural, verifica-se que foi acostado o título de eleitor, prova irrefutável da condição de cidadão.
Portanto, parte legítima é o autor popular para figurar no pólo ativo da presente ação. 9.
Quanto à legitimidade passiva, observo que foram indicados diversos réus como responsáveis pela lesão apontada na exordial.
Nesse ponto, reconheço que tanto o Presidente da República quanto a União Federal, entidade federativa da qual ele faz parte, guardam direta pertinência com o ato combatido, pois a lesão alegada emana de uma Medida Provisória editada pelo Chefe do Poder Executivo Federal, razão pela qual devem responder na qualidade de réus na presente ação popular.
Os demais agentes e entidades indicados, por ora, nesta fase inicial, devem permanecer no pólo passivo, ao menos até ulterior apreciação do juízo, após a apresentação das contestações. 10.
Finalmente, crucial se destacar que, de há muito, o egrégio STJ sedimentou o entendimento de que é possível o combate a atos ilegais lesivos ao patrimônio público estampados em leis de efeitos concretos, como as que versam sobre isenção de taxas, desmembra municípios ou desapropria bens (RESP 776848).
No caso em relevo, a meu sentir, trata-se da típica hipótese considerada pelo ínclito colegiado, pois atinge, por meio de uma medida provisória, uma parcela certa e determinada do patrimônio público - as empresas do sistema elétrico nacional. 11.
Feitas as devidas ponderações sobre as questões processuais que permeiam a ação popular, passo a apreciar o pedido de liminar. 12.
A Lei n.º 4.717/65, que disciplina o rito da ação popular, prevê, em seu art. 5º, § 4º, a possibilidade de concessão de liminar, para suspender, de imediato, o ato lesivo praticado, exigindo a comprovação da presença, conforme a regra geral das tutelas de urgência, da aparência do bom direito e do risco que a demora do provimento final possa provocar, frustrando direito da parte ou causando a própria lesão que se pretende evitar. 13.
Na espécie, questiona-se a utilização de Medida Provisória 814, publicada em 28/12/2017, como instrumento hábil a incluir a Eletrobrás e as suas controladas - Furnas, Companhia Hidroelétrica do São Francisco, Eletronorte, Eletrosul e a Companhia de Geração Térmica de Energia Elétrica - no Programa de Desestatização lançado pelo Governo Federal, mas do qual foram expressamente excluídas pela Lei n.º 10.848/2004. 14.
Sabe-se que a Constituição Federal dispõe, no art. 62, que, em caso de relevância e urgência, pode o Presidente da República editar medidas provisórias com força de lei, devendo, em sucessivo, submetê-las ao Congresso nacional. 15.
Na hipótese vertida aos autos, é indubitável que a medida adotada pelo Governo Federal atinge, de forma direta, o patrimônio público nacional, permitindo a alienação de todas as empresas públicas do setor elétrico para a iniciativa privada. 16.
Releva frisar que não se discute, neste foro, a viabilidade da manutenção de tais empresas nas mãos do Poder Público, até porque não se desconhece que há sérios estudos a demonstrar o endividamento crescente das estatais do setor elétrico. 17.
Também não se ignora a realização de duas consultas públicas no ano passado pelo Governo Federal para debater a desestatização de tais empresas. 18.
Sem embargo, nada foi apontado pelo Chefe do Poder Executivo a justificar a urgência da adoção de uma Medida Provisória, “no apagar das luzes” do ano de 2017, para alterar de forma substancial a configuração do setor elétrico nacional, sem a imprescindível participação do Poder Legislativo na sua consecução. 19.
Fica patente, pois, que o artifício utilizado pelo Chefe do Poder Executivo para concretizar sua política pública, se não lesa diretamente o patrimônio, porque estudos mais aprofundados não estão por ora a demonstrar, esbarra de forma violenta no princípio da moralidade, tutelado pela ação popular. 20.
Lado outro, a estratégia de Governo Federal de se valer do recesso do Parlamento e das principais instituições públicas envolvidas, para editar uma medida provisória, por si só, está a indicar que há risco iminente de alienação à iniciativa privada das estatais do setor elétrico, sem o devido respeito as regras constitucionais de edição de leis ordinárias, caso não intervenha o Poder Judiciário. 21.
Ante o exposto, DEFIRO a liminar para suspender os efeitos do art. 3º, inciso I, da Medida Provisória n.º 814/2017. 22.
Intimem-se, com urgência, o Presidente da República e a União Federal, para dar-lhes ciência desta decisão. 23.
Acusada na prevenção a existência do processo n.º 0800124-70.2018.4.05.8300, distribuído no dia 10/01/2018 para a 2ª.
Vara Federal desta Seção Judiciária, apresentando identidade de objeto com a presente demanda, requisito os referidos autos para julgamento conjunto, a fim de evitar decisões conflitantes. 24.
Após as férias forenses, dê-se regular processamento ao feito.
Recife, 11/01/2018.
CLAUDIO KITNER Juiz Federal