Por Roberto Numeriano, em artigo enviado ao Blog de Jamildo Quem chega ao Recife pela BR-232, vindo do interior, ou de avião, vê um mar de prédios dominando a paisagem.

De Olinda até Candeias, sobretudo próximo aos bairros da orla marítima, o concreto enfeia tudo.

Raros são os pontos verdes de algum parque ou praça.

Ao mesmo tempo, essas cidades, e o Recife em particular, vão perdendo sua identidade histórica, arquitetônica e cultural com demolições de casas e edificações centenárias.

Somente neste mês, vi dois exemplos desse processo que me causa tristeza e estranhamento.

Na rua Real da Torre (resido no bairro da Torre), demoliram uma bela casa em cujo frontão havia uma data: 1917.

Há décadas conhecia essa casa que me chamava a atenção pelo seu estilo arquitetônico.

Virou pó.

Também este mês a prefeitura do Recife demoliu a antiga caixa-d’água da Fábrica de Estopas do Zumbi.

Em breve, vai demolir totalmente a parede que restou do prédio que abrigou a vida e os sonhos de centenas de operários, por décadas.

Deveria (pelo menos, como é feito em alguns países) deixar um trecho do muro com uma placa identificando o que existiu ali, bem como uma imagem de concreto em alto relevo, reproduzindo a imagem da fábrica.

A caixa d’água podia ser preservada.

Era parte da história dos bairros do Zumbi, Cordeiro e Madalena.

A prefeitura certamente gastou com a operação de demolição (com caros guindastes) mais dinheiro do que poderia ter empregado para reforçar as colunas de sua estrutura.

Na mesma Real da Torre vi desaparecer uma das mais belas casas que já admirei, com um jardim amplo e muito bem cuidado.

Era sempre pintada de branco, sólida e solar.

Ficava numa esquina, ao lado do antigo Bompreço da Madalena.

Hoje há um sombrio flat no lugar, enterrando a história e a memória de nossas almas.

Também neste ano vi desaparecer, na esquina da rua Amélia com a av.

Rosa e Silva, nos Aflitos, uma vila centenária com pequenas e belas casas geminadas.

O espaço é hoje um “não-espaço”: trata-se do estacionamento de uma horrenda farmácia (dessas que parecem nascer na cidade como erva daninha na frincha das calçadas).

São centenas desses casos, por aí.

O demoníaco dinheiro segue dando as cartas de nossa perdição.

Roberto Numeriano apresenta-se como jornalista sem fins lucrativos