Estadão Conteúdo - Depois de passar quase quatro anos no Senado, um projeto de lei que propõe medidas para fortalecer as agências reguladoras federais acaba de completar um ano na Câmara, sem que os deputados tenham nem sequer iniciado a análise da matéria.
O único passo dado na Casa até agora foi a indicação dos parlamentares que formarão a comissão especial criada para examinar o texto aprovado no Senado.
A comissão, no entanto, ainda não foi instalada.
A reunião que inauguraria os trabalhos, marcada para 23 de agosto, não aconteceu por falta de quórum.
Resultado: a comissão permanece sem prazo para começar a funcionar.
Se as regras propostas no projeto de lei das agências reguladoras já estivessem em vigor, o advogado Ricardo Fenelon das Neves Júnior, genro do atual presidente do Senado, Eunício Oliveira (PMDB-CE), provavelmente não teria assumido uma das diretorias da Agência Nacional de Aviação (Anac), em abril de 2016.
Foto: Pedro França/Agência Senado Na época de sua indicação pela presidente Dilma Rousseff, em julho de 2015, Fenelon Júnior tinha 28 anos e, há quatro, havia se formado em Direito.
Não contava, portanto, com 10 anos de experiência no setor, nem com quatro anos de atuação em posições executivas na área.
Na documentação apresentada ao Senado antes da sabatina, o advogado detalhou sua experiência na área de aviação: fizera dois estágios, quando estudante, um na procuradoria da Anac e outro no juizado especial do aeroporto de Brasília, onde atendia passageiros com problemas.
Apesar da pouca experiência, Fenelon Júnior não teve nenhum problema para ser aprovado pela Comissão de Infraestrutura do Senado.
Um mês antes de ser indicado ao cargo, o então candidato à vaga da Anac recebeu mais de 1.200 convidados em sua festa de casamento com Marcela, filha de Eunício Oliveira.
Entre os convidados estavam, além de vários senadores, o então vice-presidente da República, Michel Temer, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, e a ex-presidente Dilma.
O atual diretor-geral da ANTT, Jorge Luiz Macedo Bastos, também teria dificuldades de ingressar na agência.
Ao assumir uma das diretorias da agência, em 2010, o próprio Bastos afirmou que a única experiência que possuía no setor de transportes era como usuário.
Bastos chegou à ANTT por indicação do ex-senador Wellington Salgado (PMDB-MG), de quem era assessor parlamentar.
Ao mesmo tempo, Bastos dirigia o time de basquete Universo, um dos principais da liga brasileira naquela época.
O time era patrocinado pela Universidade Salgado de Oliveira, conhecida como Universo, de propriedade de Wellington Salgado.
A falta de vivência na área, no entanto, não o impediu de se tornar diretor-geral da ANTT em abril de 2015, com mandato até 2018.
O caso mais ruidoso envolvendo diretores de agências reguladoras foi revelado em 2012, com a deflagração da Operação Porto Seguro, da Polícia Federal.
Paulo Rodrigues Vieira, então diretor da Agência Nacional de Águas (Ana), foi preso por suspeita de corrupção e improbidade administrativa.
Seu irmão, Rubens Carlos Vieira, que ocupava o cargo de diretor de infraestrutura da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), foi preso na mesma operação.
Ambos foram alçados aos cargos por recomendação de Rosemary Noronha, ex-chefe do gabinete da Presidência em São Paulo nos governos Lula e Dilma.
Assim como os Vieiras, a então chefe de gabinete da presidência foi presa e se tornou ré em ações penais na Justiça Federal.
Os irmãos Vieira começaram a ser investigados em 2011, depois que um auditor do Tribunal de Contas da União (TCU) revelou à PF que havia recebido R$ 100 mil de propina (de um total prometido de R$ 300 mil) de Paulo Vieira.
Em troca, o auditor delator deveria direcionar um parecer técnico do TCU, de forma a beneficiar a empresa Tecondi, dona de um terminal de contêineres no Porto de Santos.
Projeto de lei O PL 6621/2016 avança ao propor medidas que aprimoram a governança das agências, especialmente ao definir regras para a nomeação de cargos de direção.
A exemplo da Lei das Estatais, aprovada no ano passado, o objetivo é reduzir o espaço para a indicação de diretores sem a qualificação técnica necessária, alçados ao cargo em razão de apadrinhamento político.
A escolha de um diretor de agência é um processo praticamente sigiloso.
Um dos assistentes mais próximos do presidente da República, geralmente ligado à articulação política do governo, recolhe nomes de candidatos entre políticos da base aliada, com o objetivo de satisfazer alguém ou alguma legenda.
Em seguida, acontece o rito oficial: o chefe do Executivo envia o nome escolhido para sabatina e aprovação (ou não) do Senado.
A chance de o nome enviado pelo presidente ser rejeitado pelo Senado é diretamente proporcional à capacidade de articulação do governo. “Até hoje, apenas três candidatos foram barrados pelos senadores e, em todos os casos, o objetivo foi demonstrar descontentamento com o governo”, afirma Floriano de Azevedo Marques Neto, professor da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo.
No caso ocorrido em 2012, quando Bernardo Figueiredo foi barrado para a recondução como diretor-geral da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), o senador Romero Jucá, então líder do governo Dilma, declarou: “Foi uma posição política de pessoas não satisfeitas.
Tem insatisfação em todos os partidos. É o ministro que não atendeu, é a emenda que não saiu”.
Caso o PL seja aprovado na Câmara, tal qual passou no Senado, o presidente passará a nomear os diretores de agências reguladoras com base em listas tríplices.
Os nomes da lista serão escolhidos após uma pré-seleção baseada na análise do currículo dos candidatos que atenderem a um “chamamento público”.
O texto também estabelece que só poderão concorrer a esse tipo de vaga aqueles profissionais que tiverem, pelo menos, dez anos de atuação no setor regulado, ou quatro anos de trabalho em função executiva na área.
A proposta ainda proíbe a nomeação de titulares de mandato eletivo, em qualquer esfera de poder, ou sindical.
Os candidatos também não podem ter participação direta ou indireta em qualquer empresa que atue no setor regulado.