Estadão Conteúdo - O fundo eleitoral aprovado na comissão da reforma política da Câmara dos Deputados vai despejar bilhões de reais em campanhas políticas no próximo pleito sem a garantia de fiscalização do uso dos recursos públicos destinados aos partidos.

Pela proposta que deve ser analisada nesta semana no plenário da Casa, até R$ 3,6 bilhões serão reservados para custear gastos com propaganda política, mas a atual estrutura da Justiça Eleitoral enfrenta desafios para averiguar a aplicação do montante, considerado alto por especialistas.

O valor, acrescido das verbas já separadas para o Fundo Partidário, pode passar de R$ 4 bilhões - na campanha eleitoral de 2014, os partidos declararam oficialmente gastos de R$ 5,1 bilhões, quando ainda eram permitidas as doações empresariais.

Apesar da falta de consenso, os deputados propõem a destinação de 0,5% da receita corrente líquida da União para o financiamento de campanhas, mas já discutem a redução da quantia para 0,25%.

LEIA TAMBÉM » Entenda o que é o fundo eleitoral e como pode ficar o financiamento das campanhas » Fundo eleitoral de R$ 3,6 bilhões ‘é um desaforo’, afirma Barroso » Doria critica fundo eleitoral e defende retomar doações empresariais Pela primeira vez, a Justiça Eleitoral terá de analisar um montante tão elevado de recursos públicos em campanhas eleitorais.

A coordenadora-geral da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep), Geórgia Nunes, alertou para a ausência de regras sobre a prestação de contas e a fiscalização do fundo bilionário. “Como se trata de um recurso novo, não se sabe como o Congresso vai estabelecer a forma de prestação de contas.

Além da previsão do fundo, o texto precisa ter regras claras sobre essa destinação”, disse a advogada.

Para Geórgia, os parlamentares, ao discutir um fundo tão elevado sem a previsão de fiscalização, não atendem aos anseios da população com respostas eficientes de combate à corrupção, após revelações da Operação Lava Jato. “A sociedade reclama um barateamento de campanha.

Isso (o valor do fundo) é um contrassenso.” » Maia critica distritão e fundo para financiar campanha eleitoral » Renan quer que Câmara rejeite fundo eleitoral de R$ 3,6 bilhões A professora de Ciência Política da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) Andréa Freitas também criticou o valor do fundo e ressaltou que o financiamento público, somado à possibilidade de doações de pessoas físicas, recursos dos próprios candidatos e do Fundo Partidário, chegaria a valores semelhantes aos declarados em 2014. “É um valor estratosférico.

Você tem praticamente todo o valor oficial unicamente vindo do Estado”, disse. “A solução não é uma solução, as campanhas vão continuar extremamente caras.” Com a proibição de doações empresariais pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em 2015 e com as dificuldades enfrentadas para bancar as eleições de 2016 por meio do Fundo Partidário e das colaborações de pessoas físicas, os parlamentares se articulam justamente para aprovar um aporte bilionário.

Sobre a destinação dos recursos, o relatório do deputado Vicente Cândido (PT-SP) cita apenas que “caberá ao Tribunal Superior Eleitoral a fiscalização da distribuição e da utilização dos valores destinados a cada partido”. “Esclarecer como isso será dividido no interior do partido é fundamental para evitar que os líderes centralizem recursos em um conjunto de candidatos”, disse Andréa.

Ela afirmou ainda que essa falta de regras poderá evitar a renovação política e fortalecer “caciques”.

Limites Levantamento feito pelo jornal O Estado de S.

Paulo com base em estudo interno do TSE mostra que cada um dos 148 servidores responsáveis por prestação de contas no País avaliaria, em média, R$ 24 milhões de dinheiro público desse novo fundo por ano.

São 137 fiscais nos Tribunais Regionais Eleitorais (TREs) e 11 na corte superior.

Eles, além de avaliar o uso do dinheiro público nas eleições, são responsáveis por analisar as contas anuais dos partidos - em 2017, são R$ 819 milhões.

Apenas neste ano o TSE concluiu o julgamento das contas de 2011 - em cinco anos, o prazo prescreve.

Estudo divulgado em abril pela Justiça Eleitoral comparou a fiscalização do País com a do México.

Lá, para a análise de contas de nove partidos - no Brasil, são 35 -, há 350 servidores Cada um é responsável por avaliar, em média, US$ 428 mil por ano de fundo público. » Moro critica reforma política que está se desenhando no Congresso » Comissão retira dos partidos controle sobre divisão do fundo eleitoral » Relator prevê gasto maior com fundo eleitoral depois de 2018 Reservadamente, técnicos da Justiça Eleitoral admitem que o montante bilionário poderá aumentar o gargalo.

Um contador regional afirmou que, hoje, já é impossível fazer uma “análise profunda e absoluta” das contas, mesmo que, em ano de pleito, possam ser deslocados servidores de outras áreas.

Segundo a legislação, as contas eleitorais têm de ser julgadas até a data da diplomação, no dia 19 de dezembro do ano da eleição.

Controle Gil Castello Branco, economista e fundador da ONG Contas Abertas, afirmou que o maior problema não é o número de servidores. “Se as contas fossem prestadas de uma forma mais correta e transparente, poderia até ser reduzida a quantidade de funcionários.

Como é hoje, precisa de um exército”, afirmou.

Segundo Castello Branco, na prestação das contas anuais, os partidos chegam a enviar até reproduções de notas apagadas. “É um absurdo.

Os partidos fingem que prestam contas e a Justiça Eleitoral finge que analisa.”