Por Marcondes de Araujo Secundino, doutorando em Antropologia (UFPE) e Rafael Lemos, Sociólogo O comportamento dos atores políticos que representam a direita no Brasil tem demonstrado reiteradamente aversão ao jogo democrático e, caso Temer caia em decorrência das novas denúncias anunciadas, o investimento recai na eleição indireta e na PEC 77-A/2003 que pode prorrogar a eleição presidencial para 2020.
Por outro lado, os representantes da esquerda não parecem convictos do pleito Diretas Já!
Pois, em 2015, foi aprovada no Congresso Nacional a Lei n 13165/2015 que modificou o art. 224 do Código Eleitoral – Lei n 4737/1965 – passando a prever eleições diretas em caso de cassação de chefes do executivo pela Justiça Eleitoral.
A eleição seria indireta apenas quando faltasse menos de seis meses para o término do mandato.
Nesses termos, os próprios representantes da esquerda no Congresso, quando do julgamento pelo TSE da chapa Dilma/Temer, silenciaram sobre esta modificação, assim como não a colocaram na sua agenda.
Pode ser um dos sintomas da falta de convicção coletiva!
De fato os mobilizados em torno do mote Fora Temer parecem não ter o mesmo empenho na agenda das eleições diretas, talvez diante do pessimismo da razão que não deixa espaço para acreditar que o mesmo Congresso que aprovou o impeachment de Dilma Rousseff tivesse capacidade política de aprovar a PEC das diretas e ainda dotá-la de autoaplicabilidade.
Afinal, que significaria afastar Temer?
Passar um cheque em branco para os praticantes do fisiologismo desenfreado que ocupam tantas cadeiras do Congresso Nacional - aqueles já chamados de “300 picaretas”?
A esta altura já pululam propostas de chapas indiretas, dentre as quais a mais curiosa, pelo colorido ideológico, é que traz o investigado Rodrigo Maia (DEM/RJ) para presidente e o comunista Aldo Rabelo (PC do B/SP), outrora ministro dos governos Lula e Dilma, para vice.
Seria um perfeito amálgama brasileiro Direita/Esquerda ou do homem político cordial?
Diante do cenário, como os cidadãos que reivindicam práticas democráticas podem interferir nesse processo?
Paradoxalmente, a opinião pública não acredita nesta classe política, mas não consegue traduzir essa desconfiança em expressiva mobilização popular.
A propósito, os grandes jornais anunciaram que no dia em que a Câmara de Deputados votou por livrar Temer da primeira denúncia (2/8/2017), havia um único manifestante no gramado do Congresso Nacional, o senhor André Rhouglas, que militou pelo impeachment da Presidenta Dilma e agora deparou-se com a mudez do brado retumbante que outrora ecoou em ruas, praças e janelas de apartamentos.
As denúncias de corrupção, o envolvimento dos três poderes – Executivo, Legislativo e Judiciário –, além do Ministério Público e TCU, e a própria manipulação dos Meios de Comunicação de Massa e do grande empresariado parecem ter consternado a opinião pública.
Os fatos são preocupantes e parecem não encontrar ressonância ética nos poderes instituídos que teriam o papel de digeri-los e inibi-los a partir de mecanismos sociais e legais.
Até membro do Ministério Público Federal da força tarefa da Lava Jato - o senhor Carlos Fernando dos Santos Lima - sentiu-se à vontade para bradar em rede social que “infelizmente muitas pessoas que apoiavam a investigação só queriam o fim do governo Dilma e não o fim da corrupção” .
Oportuna opinião.
Após a delação premida da JBS, o Procurador Geral da República apresentou denúncia contra Michel Temer (PMDB) e o senador Aécio Neves (PSDB) por crimes de corrupção, obstrução da justiça e formação de organização criminosa.
Este fato revela o modus operandi da velha república e o seu imbróglio, as artimanhas para a impunidade.
O caso Aécio é emblemático!
Candidato derrotado na última eleição presidencial e principal articulador da denúncia de pedalada fiscal que culminou com o afastamento da presidente eleita Dilma Rousseff da Presidência da República, foi afastado do Senado e teve a sua irmã Andrea Neves e o seu primo Frederico Pacheco de Medeiros presos por acusação de conluio criminoso com o senador mineiro.
Na esfera política, retomou as funções parlamentares no Senado, mas, na esfera jurídica e levando em consideração a consistência da denúncia, qual será o seu destino?
A situação de Temer é igualmente emblemática.
Afinal, de quem é a mala?
Assumiu a Presidência da República depois de conturbado processo de impeachment e com controverso discurso contra a corrupção.
Agora passa por vexame no Congresso com a denúncia que se arrasta no jogo do abafa com mecanismos peculiares, públicos e notórios.
A troca de deputados na CCJ e a evidente compra de deputados e senadores por meio de bondades e a vultosa liberação de emendas parlamentares.
Para se ter ideia do uso abusivo desse mecanismo, o governo liberou de janeiro a maio do corrente cerca de 100 milhões e após a denúncia, e em menos de dois meses, o valor liberado ultrapassa 2 bilhões.
Sem mencionar os cargos públicos, tão apreciados, típicos alvos do “franciscanismo” político!
Os fatos são preocupantes e denunciam a própria república.
Mas, por outro lado, abre-se a oportunidade para práticas éticas e democráticas se os atores e as instituições sociais apresentarem respostas a essas denúncias com responsabilidade pública.
Mas que caminho esses atores e instituições irão escolher, se têm demonstrado distanciamento do aparente clamor popular?
Parece prevalecer um teatro de sombras no qual a sociedade civil é mera espectadora das negociações dos bastidores de agentes públicos, privados e líderes políticos.
Ressalte-se nos bastidores desse teatro a movimentação da principal liderança nacional do PSDB, o ex-Presidente Fernando Henrique Cardoso, e o enredo partidário que conduziu o impeachment de Dilma Rousseff e catapultou Temer à presidência.
Movimentação conduzida de forma ardilosa, ora para a permanência de Temer ora para o seu descarte com escolhas de nomes para fincar pé na presidência sem eleição direta e com possível prorrogação de mandato. É bom lembrar que nenhuma dessas tramas teria sustentação sem o apoio incondicional do príncipe da Sociologia e do seu propalado moderno partido, o PSDB.
Temos dito que nesse cenário a figura de FHC assemelha-se a de Carlos Lacerda e de que o PSDB de hoje vem cumprindo o papel do PSD de outrora ao dar contorno e forma à tradição brasileira de encastelar na marra a elite política no Estado, caracterizando a prevalência de uma cultura política oligárquica.
Considerando o cenário, não sabemos se nesse teatro Temer será descartado do palco principal e passará a jogar no camarim ou se será salvo sangrando para terminar de emplacar as velhas diretrizes de Estado oligárquico e patrimonialista em sintonia com os interesses do grande capital privado, nacional e internacional, e do agronegócio.
Haja vista as reformas em pauta que suprimem direitos trabalhistas e previdenciárias que arrepiam acordos internacionais e consagram de forma extremada o mercado em detrimento do Estado social, aquele capaz de implementar políticas inclusivas, distributivas, de reconhecimento de direitos coletivos e de redução de desigualdades regionais e sociais.
Com efeito, registre-se que os proto-candidatos à eleição presidencial indireta comungam dos mesmos ideais do governo Temer e tocam normalmente a marcha das reformas trabalhista e previdenciária em paralelo à discussão sobre a denúncia do ex-vice-presidente decorativo.
Assim, diante dos graves escândalos de corrupção que atingem setores do grande empresariado nacional e maioria dos atores e partidos políticos, a direita continua tramando para permanecer no comando do País, escapando do jogo democrático e, por outro lado, a esquerda, sem protagonismo e em crise com a sua base social, não parece muito convicta de empunhar a bandeira das Diretas Já, pois, tendo silenciado sobre a Lei n 13165/2015, que prevê essas eleições em caso de cassação da chapa pela Justiça Eleitoral, e não demonstrando empenho na tramitação da PEC das eleições diretas, continua devedora de ações que sinalizem para a reconstrução de um pacto nacional das bases políticas democrático-populares.
Essa realidade, mesmo indigesta para uma parcela significativa da opinião pública, não tem demonstrado capacidade de unir essa base de forma expressiva, talvez por não se sentir representada pelos partidos instituídos.
Sintoma de crise de representação que denuncia o sistema partidário brasileiro e empobrece a dinâmica democrática por favorecer a política dos bastidores e da tradição antidemocrática no Brasil.