O advogado criminalista Eduardo Lemos, especialista em políticas anticorrupção e compliance - programa de integridade para evitar atos ilícitos dentro das organizações -, é o único nordestino selecionado para participar, na próxima semana, de um curso na Academia Internacional Anticorrupção, criada pelo Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime.

Ao Blog de Jamildo, o criminalista afirmou que a Operação Lava Jato mudou a maneira de fazer negócios e levou às empresas, principalmente do eixo Sul-Sudeste, mais preocupação com a prevenção de crimes e lavagem de dinheiro. “As empresas também têm que ser responsáveis por combater a corrupção”, disse. “Os tempos são outros”.

Lemos é mestre pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e sócio do escritório Rigueira, Amorim, Caribé, Caúla & Leitão, que defende 90% dos citados na operação no Estado, incluindo construtoras, parlamentares e empresários.

Blog de Jamildo - A Operação Lava Jato revelou esquemas que levaram a certo descrédito em grandes empresas que contratam com o poder público.

De que forma essa realidade pode mudar?

Eduardo Lemos - É preciso proatividade das empresas. É necessária uma mudança de cultura, na percepção de como fazer negócios, como contratar com o poder público com integridade e criar mecanismos empresariais de prevenção.

As empresas também têm que ser responsáveis por combater a corrupção.

Tentando ver um pouco o lado benéfico dessa questão da Lava Jato, é trazer justamente o fato de que a maneira de fazer negócios mudou.

As empresas passaram a ter que criar mecanismos de prevenção e de combate à corrupção e à lavagem de dinheiro.

Os tempos são outros.

O advogado Eduardo Lemos (Foto: Jonatas Campos/Tempus Comunicação) Blog de Jamildo - Há uma forma geral de ação para que as empresas evitem práticas corruptas?

Eduardo Lemos - A perspectiva é da proatividade, de criar mecanismos como o programa de compliance e de tentar mudar a cultura delas para tentar evitar e repudiar todos os atos ilícitos.

A fórmula mágica não vai existir.

Blog de Jamildo - Há algum case que o senhor possa citar?

Eduardo Lemos - O da Siemens, que passou por um grande escândalo de corrupção (foi descoberto que investigação entre 2001 e 2007 a empresa pagou US$ 1,4 bilhão em propina, em esquemas semelhantes aos que foram descobertos por operações como a Lava Jato no Brasil).

Esse caso é um case muito grande porque depois eles desenvolveram mecanismos de compliance e hoje em dia você não lembra mais, apesar de ter sido uma das multas mais altas já aplicadas (US$ 1,6 bilhão, pagos nos Estados Unidos e na Alemanha).

Através desse mecanismo de controle e do investimento na área anticorrupção, conseguiram superar essa crise e a partir dai virar o jogo.

Tanto é que o chefe do programa de integridade (Klaus Moosmayer) é um dos palestrantes do curso.

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Eduardo Lemos - No Sul e no Sudeste as empresas já estão com essa preocupação muito forte.

O que eu pude perceber é que lá está muito consolidado.

Não estou dizendo que os programas são perfeitos, que os programas já são perfeitamente funcionais.

O Nordeste ainda precisa dessa educação para o compliance, tomar conhecimento desses mecanismos de prevenção.

O compliance entrou no Brasil com uma força muito maior com as multinacionais, mas é inegável dizer que a Operação Lava Jato em especial fez as empresas de grande porte no País trazerem essa preocupação para o cotidiano.

Blog de Jamildo - Como essa política pode ajudar as empresas na prática?

Eduardo Lemos - A Lei Anticorrupção trouxe sanções para empresas que são flagradas cometendo irregularidades, principalmente corrupção em processos licitatórios.

Quando qualquer pessoa na empresa é flagrada, é gerado processo administrativo e civil, além de penal para os sócios.

Há uma responsabilidade objetiva.

Quando qualquer pessoa é flagrada, traz consequências para empresa, independente do nível hierárquico dela.

Qual é o tamanho do prejuízo?

Pode variar de 0,21 a 20% do faturamento bruto e, dependendo do porte, pode gerar até a falência da empresa.

O que os programas de integridade têm a ver com isso é que tem uma previsão na lei de que haver a redução da pena às empresas que tiverem esse mecanismo.

Elas vão ter a sanção diminuída significativamente.

Isso apenas do ponto de vista legal.

Se a gente for entrar no âmbito dos danos de imagem, começa a falar de valores muito mais astronômicos. É verdadeiramente impossível de mensurar.

Se as empresas estão preocupadas com os custos de um programa anticorrupção, deveriam se preocupar com o que um problema como esse poderiam gerar.

Blog de Jamildo - Como o senhor vê o futuro dos programas no Nordeste, uma área em que ainda não há tanta entrada dos programas de compliance?

Eduardo Lemos - É um processo que naturalmente vai acontecer.

Talvez um ponto específico que esteja faltando aqui é a conscientização.

Falta um processo de disseminação de informação, de dizer do que se trata, estabelecer custos e mostrar o beneficio na prática.

Mas, de qualquer forma, eu acredito que é uma questão de tempo.

Com o tempo, principalmente as empresas médias e grandes vão ter que se relacionar com as de fora e o efeito de um compliance é cascada.

Na medida em que as empresas do Sul e do Sudeste começarem a consolidar os mecanismos, não vão querer se relacionar com quem não tenha se adaptado a essa nova realidade do empresariado do País.