Por Fernando Holanda* Nesta terça-feira (20), a Primeira Turma do STF decidiu adiar o julgamento sobre a prisão de Aécio Neves.
Na semana passada, o procurador-geral da República reforçou o pedido de prisão preventiva do senador de Minas Gerais pelo PSDB.
Rodrigo Janot alegou que, ao publicar foto de uma reunião com caciques tucanos, Aécio não estaria cumprindo a medida cautelar de afastamento, determinada no último dia 18 de maio após a divulgação de uma gravação telefônica na qual Aécio pede R$ 2 milhões ao empresário delator Joesley Batista, da JBS.
A notícia foi acompanhada da prisão da irmã e do primo do senador no âmbito da Operação Lava Jato e, desde então, tem ganhado destaque na imprensa nacional e internacional.
O que pouca gente sabe é que Aécio Neves é oficialmente um cidadão do Recife, título concedido pela Câmara Municipal.
O projeto foi apresentado em junho de 2013, época em que Aécio articulava sua candidatura ao Palácio do Planalto enquanto o Brasil fervia com protestos contra o aumento das tarifas do transporte público, que chegaram a levar 50 mil pessoas às ruas do Recife.
No texto, o proponente do título classifica Aécio Neves como “um grande político” que prestou relevantes serviços à sociedade brasileira “com impactos positivos sobre o cotidiano recifense”.
Aprovada sem ressalvas em apenas 4 meses - prazo curto para os padrões da Casa - a cerimônia de titulação foi embalada por frevo e maracatu e contou com a alegre presença do senador (hoje afastado), que discursou: “afirmo a minha crença na política.
O que falta no Brasil é a política feita com transparência”. É claro que a cidadania de Aécio foi proposta antes das delações da JBS.
E que, à época, não havia investigações contra ele no âmbito da Operação Lava Jato, que só viria a ser deflagrada meses depois.
Conceder um título a alguém também não significa ser conivente com seus supostos crimes, ainda mais com aqueles que só vierem a ser descobertos ou cometidos depois.
Mas nada disso exime a responsabilidade que os vereadores têm ao tornar alguém cidadão do Recife.
Está lá no Art. 224 do Regimento Interno da Câmara Municipal do Recife: “O título de ‘Cidadão do Recife’ poderá ser conferido a qualquer pessoa física […] em virtude de relevantes serviços comprovadamente prestados ao Recife ou à sua gente”.
Vale a pena frisar: relevantes serviços comprovadamente prestados ao Recife ou à sua gente.
Se Aécio Neves prestou ou não tais relevantes serviços aos recifenses é algo passível de debates acalorados.
O que sua possível prisão expõe, além da grave crise política do Brasil, é a banalização da concessão de títulos de cidadania no Recife.
Desde o início de 2013, quando se iniciou a primeira gestão do prefeito Geraldo Júlio, a Câmara Municipal já apresentou mais de 100 projetos desta natureza.
São praticamente duas propostas de título de cidadão por mês, que, inclusive, contrariam o que estabelece o regimento, que limita a seis concessões por vereador a cada legislatura.
Em sua maioria, os projetos contemplam juristas, religiosos e, como não poderia deixar de ser, políticos, como a ex-senadora Marina Silva e o deputado federal Paulinho da Força (também citado na Lava Jato).
O rol de agraciados conta ainda com Diego Souza, artilheiro do brasileirão pelo Sport em 2016, o cantor romântico Elymar Santos e o astro do forró-sertanejo Wesley Safadão.
Votos de aplauso, homenagens e sessões solenes podem até fazer parte do cotidiano do Legislativo.
Mas, ao banalizá-los, os vereadores prejudicam não só a reputação da própria Câmara, como também sua credibilidade com os demais Poderes e, principalmente, com a população.
Não é à toa que muita gente sequer lembra em quem votou nas últimas eleições legislativas e o Executivo insiste em enviar maçarocas de projetos com pouquíssimo tempo para apreciação da Câmara, como aconteceu na semana passada.
Que Aécio Neves possa ser investigado, julgado e, se culpado, preso e condenado.
Desde já, que ele possa refletir sobre a sua tal crença na política.
Aos vereadores do Recife, fica a dica: mais cuidado com a concessão de homenagens e títulos.
Afinal, o que a sociedade espera da política não é só o fim da epidemia da corrupção.
Compromisso, produtividade e uma boa dose de bom senso são fundamentais para combater a crise de representatividade que só se agrava no Brasil. * Fernando Holanda representa a RAPS – Rede de Ação Política pela Sustentabilidade no Conselho da Cidade do Recife. É filiado à Rede Sustentabilidade