Por Ayrton Maciel, jornalista Comparar episódios e medir dimensões de crises em épocas distintas são avaliações imprecisas.
A evolução ou retrocesso político, econômico e social de um País é único de cada época.
Situações e crises políticas são consequências de circunstâncias e condicionantes do período em que ocorreram.
Medir tamanhos de crises em tempos diferentes - dando maior e menor dimensão a um e a outro - pode levar a maximização de um e a minimização do outro.
As dimensões podem não corresponder à realidade dos fatos e momentos históricos.
Não é preciso, então, medir e concluir que o País vive a sua maior crise política e a sua maior crise econômica.
O Brasil passa por um momento único.
O de agora.
E tem uma oportunidade única de corrigir a deformação do seu sistema político.
Imaginar o fim da corrupção ou a sua redução a índices civilizados é utópico.
Isso terá de passar por gerações, longos estágios de escolaridade até a consolidação de um padrão permanente, constantes investimentos e, em paralelo, níveis de fiscalização rigorosos dos Poderes e aparelhos do Estado brasileiro.
Hoje, temos um sistema político degenerado.
O dilúvio de fatos reveladores, más notícias políticas e desdobramentos igualmente negativos afundaram o País na perplexidade.
Estranha e suspeita é a passividade.
Neste inferno de Dante, é surpreendente o silêncio dos clubes militares e de comandantes das três Forças - sempre em tom ameaçador nos governos do PT - quanto às acusações, com provas, contra o presidente Michel Temer (PMDB) e uma dezena de seus ministros.
Mais que acusações, flagrantes do próprio Temer e de assessores diretos.
Militares que, em posição de tutores da sociedade, em público advertiam sobre medidas nos governos petistas.
Derrubada a presidente Dilma, por incompetência e por ser obstáculo à impunidade de seus algozes, nenhuma defesa da legalidade e da vontade das urnas partiu dos militares.
No momento atual de espanto do País, ante os fatos e provas contra o governo Temer, o silêncio se repete.
Nem um conselho: “Senhor presidente, por favor, tenha uma atitude digna: renuncie”.
Todo silêncio é igual?
Não na sua natureza.
Não se deve perdoar o PT e a esquerda pelos mesmos e tradicionais erros da direita.
Mas, a impressão é de que o que vale para um lado não vale para o outro e vice-versa. É como a postura do Gilmar Mendes: “o TSE não é lugar para julgar crimes político-eleitorais”.
Frase que não foi dita quando Dilma ainda estava no cargo. À esquerda, o calabouço; à direita, o benefício da dúvida e do silêncio. É segurar um governo moralmente liquidado em troca da tese de que a sua queda será a ruína da economia.
O impeachment de 2016 demonstrou o que é e ao que veio.
Alheios aos “nudes” da má política, o silêncio atual dos que foram às ruas revela que só queriam tirar do poder Dilma e a esquerda, não importa se eleitas.
Criaram o mote e formaram a maioria parceira no Congresso, sem a preocupação com quem assumiria.
Afinal, Temer era o líder maior no Congresso.
Uma cumplicidade.
A democracia é um paradoxo: é um processo simples e complexo, principalmente em sociedades sem tradição de respeito às liberdades, com níveis de educação precários e de pouca consciência política.
Simples porque “todo o poder emana do povo e em seu nome será exercido”, a partir das liberdades individuais e coletivas, das liberdades de imprensa e expressão, das eleições livres.
Complexo porque onde persistem pouca formação política, baixa escolaridade e vazios de liberdade há sempre setores dispostos a tutelar o povo.
Inquestionável é que a sociedade civil é soberana; a sociedade militar, sua derivação.
Nas sociedades democráticas europeias, na América do Norte, na Ásia, isso está consolidado.
O contrário - Américas do Sul e Central, África, Oriente Médio, onde fatores religiosos e tribais também influenciam - é uma ameaça sempre presente.
Mesmo que - como exemplos - ditaduras e regimes de exceção, à direita e à esquerda, tenham caído.
Em mais ou menos tempo, caem, e com um custo alto.
O amadurecimento do brasileiro vai se dar pela educação, o que levará gerações.
No momento atual de instabilidade, cabe à consciência democrática dizer que encontrar liderança ou lideranças, para o País, só é admissível pela via política.
O que se espera dos militares é a sensatez para continuar a resistir às provocações fascistas.
Mesmo que o silêncio que lhes disciplina não seja igual.
Nos governos à esquerda, sempre alertas; com Temer, complacentes.
O saudosismo irracional de Jair Bolsonaro e seguidores, de militares radicais e de civis militaristas tem se expressado pela apologia à força bruta e à ilegalidade.
Deles não parte a indignação com as denúncias, com provas, que se multiplicam contra Temer e seu “governo de amigos”.
Consequência de 2016, Temer – principal líder – é a síntese da maioria fisiológica de líderes e partidos citados na Lava Jato que busca a autoproteção contra o Judiciário e legislar em causa própria no Congresso.
Neste momento histórico, o pior que pode ocorrer ao País é a seletividade da Justiça ou a ação corporativista protetora do Congresso (anistia ao caixa 2 e uma lei de abuso de autoridade).
Ou ambas.
Que a falta de pressão das ruas não seja senha para a impunidade.
O silêncio é parceiro da cumplicidade.
Há o interesse da maioria do Congresso em salvar Temer, como em salvar a própria pele.
Conta com quem bradou tanto contra a corrupção e agora silencia.
Nessa busca, uma questão está sendo desconsiderada: a Presidência é uma instituição e um dos símbolos da República.
A continuidade de Temer é a desmoralização do cargo, da instituição.
Eis a questão central.