Por José Paulo Cavalcanti Filho, em artigo Os capitéis dos templos romanos eram povoados por figuras animais que vieram das páginas do Apocalipse.
Expressando-se nessas figuras receios, remorsos, virtudes, o mel e o fel que habitam o indeterminado cidadão comum.
Avançamos no tempo.
Até (Friedrich) Nietzsche.
Que fez seu bestiário baseando, na moral, a busca de poder que eleva o Übermensch (em tradução livre, o Novo Homem).
Inspirado nesses capitéis, representava esse homem com figuras animais.
O camelo, com a moral pesada do eu devo.
O menino, com a moral simples do eu sou.
E o leão, com a moral onipotente do eu quero.
Nesse zoológico de símbolos, será legítimo perguntar qual animal deveria representar a imprensa.
Mais amplamente, os meios de comunicação.
E, se assim for, talvez devêssemos escolher o camaleão.
Por sua infinita capacidade para mudar sempre.
Com a moral ambígua do eu me adapto.
Isso vem de longe.
Nos livros de jornalismo, por exemplo, sempre se proclama que tudo começou com (Johannes) Gutenberg (1398 – 1468).
Só que não é bem assim.
Os tipos móveis não foram inventados por ele.
Já sendo usados, na China e na Coréia, milhares de anos antes.
Feitos em porcelana, madeira e metal.
O título de Pai da Imprensa, que lhe é atribuído, se deve ao fato de que teria editado o primeiro livro.
A Bíblia de Gutenberg, assim se diz.
Problema é que essa Bíblia de Gutenberg nunca existiu.
Trata-se de uma história inventada.
Como tantas outras.
Para pagar dois empréstimos de 800 florins, cada, o coitado foi obrigado a entregar, em 1455, ao banqueiro Johannes Fust, materiais e obras em preparação.
Entre elas, o projeto de uma Bíblia de 42 linhas.
Apenas projeto.
Que acabou depois realizado, inteiramente, por Peter Schöffer.
Quando veio a público a Bíblia de Shöffer e Fust, em 1456, já Gutenberg havia voltado ao anonimato em que sempre viveu.
Sem que se conheça um único livro impresso por ele.
Nem havendo sequer um retrato seu.
Nada.
Ficou apenas o anúncio, alardeado por ele nos bons tempos, de que estaria fazendo uma Bíblia.
Que nunca fez, mais uma vez se diga.
Apesar disso, e por força das repetições, continuamos a falar na Bíblia de Gutenberg.
Um caso claro em que a adaptação camaleônica de uma mentira, e sua repetição continuada, finda por se converter em verdade.
Escrever, adaptando bem conhecida sentença de Graciliano, é muito perigoso.
Se partirmos da ideia de que o fundamento de todas as liberdades é a da consciência, vamos ter que reconhecer duas exigências básicas.
Uma antes, que é não ter censura.
Nenhuma consciência livre se forma sob o peso da censura.
E outra depois, que é poder dizer tudo que se quiser.
Fora isso, de que valeria ter uma consciência livre?
Só que não é assim.
Ao menos por enquanto.
Para muito além dos símbolos, e dando à arte de escrever alguma dignidade, ela deve se fazer a partir de alguns compromissos básicos – com sua consciência, com sua circunstância e com seu tempo.
Ao menos deveria ser assim. *Início de prefácio para o livro “Histórias de um repórter”, do jornalista Magno Martins.