Seria tudo normal, mas não é Por Luciano Siqueira Um cidadão brasileiro, investido de todos os seus direitos constitucionais e feito réu num processo judicial comparece em Juízo para depor.

Seu interpelador, um juiz de direito igualmente investido de suas prerrogativas constitucionais, o arguirá.

A cena se repete aos milhares pelo Brasil afora, diariamente.

Tudo normal, mas nesse caso não é.

O réu chama-se Luis Inácio Lula da Silva e o juiz Sérgio Fernando Moro, comandante da chamada Operação Lava Jato.

E duas esferas, que se supõe independentes entre si, se acham irremediavelmente entrelaçadas – a jurídica e a político-partidária.

Daí a audiência de hoje ser alardeada por grande parte da mídia como um grande “duelo” entre Lula e Moro.

O próprio juiz – que, dizem, deveria tão somente se pronunciar nos autos e agir com imparcialidade – grava vídeo e distribui nas redes sociais e na mídia, discorrendo sobre pressões e contrapressões – à direita e à esquerda -, a se traduzirem nas ruas de Curitiba, hoje.

O fato inequívoco é que há mais de dois anos a força tarefa da Lava Jato tenta por todos os meios comprovar acusações contra Lula e jamais passou de depoimentos (suspeitos) de envolvidos em atos de corrupção em busca de perdão parcial através do instituto da delação premiada.

O próprio Moro, em decisão monocrática, recentemente colheu novas delações, a toque de caixa, supostamente para engordar as “evidências“ de envolvimento de Lula e, contraditoriamente, negou-se a adiar o depoimento de hoje, indeferindo pedido da defesa do ex-presidente, que alega não ter tido acesso às três mil folhas onde estão anotados nas novas delações.

Numa percepção mais larga, a audiência de hoje – quaisquer que sejam o seu conteúdo e possíveis desdobramentos -, é parte de um drama político e institucional que o país vive.

Ora, ninguém pode se opor ao combate à corrupção, mas se exige que deva se realizar respeitando o Estado Democrático de Direito.

Daí as restrições à Operação Lava Jato, por ter incorporado objetivos político-partidários, com nítida assimetria a escolher como alvo o PT, condescendente que tem sido com o PSDB.

Assim, acumula procedimentos que se configuram, na prática, em embrião de poder paralelo, qual Estado de exceção dentro do Estado Democrático de Direito.

Isto posto, para além do confronto entre o réu Lula e o juiz Moro, põe-se em causa hoje a própria sobrevivência da República em bases democráticas.