Por Luiz Alfredo Raposo, economista Especial para o Blog de Jamildo Nesta segunda semana de Páscoa, os grupos de defesa da “classe trabalhadora ameaçada” entraram em ebulição.

Em pé de guerra contra as alterações nas regras de aposentadoria (PEC 287) em vias de votação no Congresso.

Contra “perdas de direitos”. “Perdas” futuras, quase sempre; mais distantes à medida que maiores.

A reforma, por exemplo, pode levar um trabalhador de 25 anos recém-entrado no mercado, a trabalhar mais 5 anos.

Mas daqui a 35 anos, quando ele se aposentaria pelas regras atuais!

Os grupos acham isso um absurdo, o que me leva a pensar: vista curta…

Ou vista torta?

Um amigo dos trabalhadores devia estar mais preocupado era com os empregos de hoje.

Com os postos de trabalho a perigo nessa crise braba que atravessamos.

Crise que, do último trimestre de 2014 para cá, destruiu perto de 3 milhões deles.

O que, somado ao desemprego inicial e aos recém-chegados, perfaz os 13,5 milhões de sem-trabalho atuais apontados pelo IBGE.

Algo como 13% da força de trabalho do país.

Um exército de reserva pra Marx nenhum botar defeito…

Esses números, sim, é que expõem o grande drama trabalhista e humano: pelos padrões vigentes, está sendo negado, hoje, a uma enorme parcela da classe trabalhadora brasileira o direito dos direitos, o de trabalhar!

Além de remotas, as tais “perdas” são em certo sentido ilusórias.

A reforma da Previdência visa a reduzir progressivamente a velocidade de crescimento do déficit previdenciário.

Por razões demográficas (aumento da vida média da população e redução do percentual de entrantes na idade ativa), essa velocidade vem-se acelerando loucamente.

E fazendo cada vez maior um tumor fiscal (um déficit orçamentário, pai de uma dívida pública) que, não atacado, ameaça, a médio prazo, com a falência do Estado.

O que é pior, esse tumor envenena toda a economia.

A atual crise econômica, fruto em grande medida da queda do investimento público e da fuga do investimento privado, já é uma consequência dele.

Quem se arrisca a investir num país, cujo governo em bancarrota terminará cobrando a conta do setor privado?

Sem reforma, e para não ficar entre o Cila da explosão hiperinflacionária, que arrasará a economia rapidamente, e o Caribdes da depressão, teremos de optar por meias-solas e só colheremos instabilidade.

O problema fiscal se tornará crônico, a falta de confiança eternizará o baixo dinamismo, o caminhar de crise em crise e a necessidade de frequentes remendos e paradas de manutenção.

O conhecido padrão stop and go (do roda e enguiça).

Seremos um gigante lento e enfermo.

Um futuro nada esplêndido para o País do Futuro…

Acontece que, nessas condições, o desemprego persistirá anormalmente alto.

E, com a alternância de emprego e desemprego, o tempo de “carteira assinada” do trabalhador vai crescer mais lentamente, retardando a data de alcançar o mínimo exigido, seja lá como ele for definido (ou redefinido).

Por isso é que tachei de talvez ilusórias as tais “perdas”.

Mantidas as regras atuais ou feita apenas uma reforma de mentirinha, torna-se plausível um cenário em que os ativos não vão conseguir se aposentar, nem os aposentados, receber suas aposentadorias.

Alarmismo?

Veja o que está a acontecer aos bravos servidores cariocas.

De um Rio de Janeiro que já foi tão lindo.

A Previdência estadual chegou ao ponto de, pelas regras em vigor, não conseguir funding para as aposentadorias atuais, que dirá para as novas.

Culpa-se muito a evasão fiscal e previdenciária, mas se esquece de que, com toda a evasão (estimam alguns, de 30%), a carga fiscal efetiva cresceu velozmente e anda em torno de 35% do pib.

Ou seja, o aparelho arrecadador brasileiro consegue ser eficiente o bastante para extrair de uma economia de renda per capita equivalente a 1/3 da europeia uma receita fiscal de país europeu.

O contribuinte paga e ainda fica em maus lençóis.

Exposto àquela “insolência do funcionário” que doía ao príncipe Hamlet…

A reforma da Previdência contraria interesses localizados.

P. ex., da cartolagem sindical e de corporações de servidores, cujos membros creem estar a salvo de demissões (perigosas seguranças, quando a terra treme debaixo dos pés).

Mas é salutar para a sociedade como um todo e para a classe trabalhadora, em especial.

O novo sistema garante muitíssimo melhor do que o atual, no presente e no futuro, as aposentadorias e os empregos.

Ou seja, é crucial para os trabalhadores e para os desempregados.

Para os ativos e para os inativos.

Para os torcedores do Náutico, do Sport e do Santa.

Se não bastasse, é crucial para o destino de nossa sociedade.

Para um Brasil que está aí, esperando a hora de nascer.

Poço da Panela, Recife, abril/2017