Por Marília Banholzer, repórter do SJCC Uma coisa é certa na vida de quem mora na Região Metropolitana do Recife (RMR).
Se chover um pouco mais forte, o resultado são ruas alagadas e deslizamentos em áreas de morro.
Basta uma dessas duas situações acontecer que começam a brotar teorias que tentam identificar “de quem é culpa” pelos problemas causados pelas chuvas.
Mas parte da resposta pode estar além do campo político sobre investimentos em infraestrutura ou em campanhas educativas para a população.
O relevo do Grande Recife pode ser um vilão pouco lembrado nessas ocasiões.
Primeiro, Recife não está abaixo do nível do mar.
Isso é um boato.
Mas a capital pernambucana, assim como as demais cidades da RMR que ficam localizadas próximas ao litoral (Olinda, Paulista, Jaboatão dos Guararapes, Ipojuca, Cabo de Santo Agostinho, por exemplo), está localizada no que se chama de planície litorânea - áreas baixas e planas que ficam entre 2 e 8 metros acima do nível do mar.
Além disso, essa planície litorânea é cortada por diversos rios e canais.
Tais cursos de água desaguam no mar e sofrem a influência das oscilações da maré, além de aumentarem de volume em dias chuvosos.
De acordo com o engenheiro geotécnico Roberto Coutinho, professor titular da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e coordenador do Grupo de Engenharia Geotécnica de Encostas, Planícies e Desastres (GEGEP), apenas um dos rios que corta a RMR está “controlado”: o Capibaribe. “Depois de diversas cheias que causaram muita destruição no Estado entre as décadas de 60 e 70, foram construídas barragens - Jucazinho, Goitá, Tapacurá e Carpina - que controlam o nível do Capibaribe, em especial no trecho urbano da RMR.
Já em outros municípios, quando os grandes rios enchem com as chuvas, as comunidades ribeirinhas sofrem com fortes inundações, como por exemplo Ipojuca”, explicou o professor Roberto Coutinho.
Como se não bastasse a região mais populosa do Estado estar localizada numa planície litorânea considerada baixa e altamente cortada por rios, toda a área ainda é circundada por morros.
Por não serem altas (variam de 50 a 100 metros de altura), essas pequenas elevações tornaram-se atrativas para a ocupação imobiliária, que, no caso do Grande Recife, aconteceu de forma irregular e desordenada. “A água que não é absolvida pelos morros escorre para a planície que não tem um bom sistema de escoamento. É a fórmula ideal para que regiões inteiras alaguem”, pontuou o especialista.
DESLIZAMENTOS NO RECIFE Já os deslizamentos são reflexo, principalmente, da ocupação irregular ou inadequadas das áreas de morro.
Para o professor Roberto Coutinho, o fato dos “colonizadores” do Recife terem sido os holandeses é determinante para explicar o motivo dessas regiões mais altas abrigarem, em geral, comunidades humildes ao invés de bairros bem estruturados onde os mais abastados morariam, o que acontece em outras cidades brasileiras como as regiões mais altas do Rio de Janeiro, a exemplo de Niterói e Petrópolis. “Se você pensar geograficamente, morar em morros é mais agradável do ponto de vista de ventilação, da vista da cidade, não sofre com alagamentos, entre outros motivos.
Mas como foram os holandeses que nos colonizaram, eles construíram na área plana, que é um relevo mais parecido com o lugar de onde vieram”, observou Roberto Coutinho.
Ele ainda completou explicando que, por causa disso, as áreas mais altas foram ocupadas por pessoas mais humildes que não têm conhecimento técnico e poder econômico para construir da maneira correta, apenas com o risco natural de qualquer obra de engenharia.
Segundo as pesquisas de campo do engenheiro geotécnico e sua equipe do GEGEP, situações de risco no morro são comuns e, em geral, poderiam ser evitadas ou minimizadas se a ocupação fosse feita de maneira estruturada. “As pessoas cortam as barreiras, aterram outras áreas, deixam canos escoando água nas encostas, plantam vegetações inadequadas, entre tantos exemplos.
A realização de obras estruturadoras que protejam todas as regiões vulneráveis em casos de uma chuva mais forte, que encharque o terreno, torna-se um grande desafio e a gestão pública não consegue implantar.
Com isso, também é muito importante a implantação de um sistema de gestão de risco integrado e atual em tecnologia”, comentou Roberto Coutinho. “É claro que as questões geotécnicas da Região Metropolitana do Recife influenciam e até potencializam os riscos de desastres naturais, mas não podemos colocar a culpa no relevo.
A população, a falta de um planejamento e legislação adequados, e obras estruturadoras dos governos são, juntos, os principais fatores para o que vem acontecendo.
E vale lembrar que faz tempo que o Recife, por exemplo, não tem um ano verdadeiramente chuvoso, temos tido fortes chuvas isoladas”, justificou o engenheiro Roberto Coutinho.
MAPEAMENTO DE RISCO - Inundação e deslizamentos não são os únicos “desastres naturais” (termo usado pelos especialistas) que afetam a RMR com frequência.
A erosão marinha e a falta de drenagem urbana provocando os alagamentos completam a equação que explica os principais problemas da capital pernambucana e cidades circunvizinhas.
As quatro situações, no entanto, se não controladas, podem causar não só danos materiais, como resultar na morte de moradores.
Através de um planejamento feito a partir dos chamados mapeamentos de risco, os governos federal, estadual ou municipal podem ter acesso a informações privilegiadas sobre onde pode haver risco de inundação, alagamento, deslizamento de encosta e erosão marinha.
Com esses dados, obras estruturais, como drenagem urbana e outras, podem ser pensadas e executadas de maneira que beneficiem a população, com melhoria da qualidade de vida e economia a longo prazo.
ENTRA OLHO - “Em Pernambuco, os primeiros mapas de risco começaram a ser entregues em 2013 e devem beneficiar 16 municípios escolhidos pelo Governo Federal.” Atento ao poder desse instrumento, o Ministério da Integração solicitou mapeamentos de riscos em diversas localidades brasileiras, através do Plano Nacional de Gestão de Riscos e Respostas a Desastres Naturais, que abrange 821 municípios em todo o País.
Em Pernambuco, os primeiros mapas começaram e ser entregues em 2013 e devem beneficiar 16 municípios escolhidos pelo Governo Federal.
Confira imagens da chuva que castigou o Grande Recife nesta terça-feira (11): Foto: Guga Matos / JC Imagem - Foto: Guga Matos / JC Imagem Foto: Guga Matos / JC Imagem - Foto: Guga Matos / JC Imagem Foto: Guga Matos / JC Imagem - Foto: Guga Matos / JC Imagem Foto: Guga Matos / JC Imagem - Foto: Guga Matos / JC Imagem Foto: Guga Matos / JC Imagem - Foto: Guga Matos / JC Imagem Foto: Guga Matos / JC Imagem - Foto: Guga Matos / JC Imagem Foto: Guga Matos / JC Imagem - Foto: Guga Matos / JC Imagem Foto: Guga Matos / JC Imagem - Foto: Guga Matos / JC Imagem Foto: Guga Matos / JC Imagem - Foto: Guga Matos / JC Imagem Foto: Guga Matos / JC Imagem - Foto: Guga Matos / JC Imagem Foto: Guga Matos / JC Imagem - Foto: Guga Matos / JC Imagem Foto: Guga Matos / JC Imagem - Foto: Guga Matos / JC Imagem Os trabalhos estão sendo realizados pelo GEGEP através de convênio do ministério com a UFPE, responsável pelos levantamentos das cidades de Ipojuca, Moreno, Jaboatão dos Guararapes, Camaragibe e Abreu e Lima, e pela a empresa de engenharia Pangea, que ficou com os mapas de Olinda, Paulista, São Lourenço da Mata, Cabo de Santo Agostinho, Vitória de Santo Antão, Escada, Cortês, Barra de Guabiraba, Catende, Água Preta e Quipapá.
CARTA GEOTÉCNICA - Mais completo do que o Mapeamento de Risco na prevenção de risco de “desastres naturais” é o levantamento feito através da Carta Geotécnica.
Esse instrumento é feito em qualquer área do município, seja ela ocupada ou não.
Esse material revela desde critérios relacionados ao relevo, tipo de solo ou rocha, processos que ocorrem na área, até fatores que podem levar pessoas a construírem moradia em determinada região.
A equipe do professor Roberto Coutinho, através do GEGEP, foi convidada pelo Ministério das Cidades para realizar esse mapeamento em áreas populosas dos municípios de Ipojuca, Cabo de Santo Agostinho, Jaboatão, Camaragibe e Abreu e Lima.
No entanto, o grupo decidiu ampliar o projeto e não fazer apenas em áreas isoladas ocupadas e de expansão, mas fazer um estudo complexo de todo município.
Com isso, Ipojuca, no Grande Recife, foi a primeira cidade no Brasil a contar com uma Carta Geotécnica de todo seu território. “O mapeamento de risco serve para prever situações que podem ser perigosas por causa da ocupação inadequada.
Mas ele serve muito mais para ‘apagar um incêndio’ do que para um planejamento a longo prazo.
Para esse tipo de previsão, o mais indicado seria uma carta geotécnica”, ponderou o professor da UFPE Roberto Coutinho.