Por Ricardo Souza, advogado previdenciário e ex-presidente da RECIPREV O principal debate em torno da Reforma da Previdência gravita sobre a existência (ou não) do déficit previdenciário. É a discussão mais fácil e mais direta, dessas que pegam rápido nas redes sociais.

Penso que é necessária uma crítica a esse debate e, principalmente, evidenciar questões esquecidas e mais relevantes.

Vamos lá.

A crítica é que, mesmo havendo superávit no presente, previdência é longo prazo.

Logo, é preciso discutir a viabilidade de, no longo prazo, esse modelo sustentar-se.

Nessa questão, ponto para o governo e para os economistas “oficiais”.

No entanto, o jogo vira quando outras questões são evidenciadas: 1 – FHC, Lula, Dilma e, agora, Temer (e os medalhões da economia) utilizam, há duas décadas, o mesmo discurso.

Por que a “crise” não se resolveu, já que cada sucessor manteve a diretriz do governo anterior?

O motivo é simples: previdência é longo prazo e cada um (acrescente inúmeros governadores e prefeitos) está preocupado apenas com o seu mandato; 2 – Mas será que existe um bom exemplo?

Sim, são raros, mas existem.

A Prefeitura do Recife, por exemplo, desde 2000, iniciou uma transição para um regime superavitário.

Hoje, possui um fundo capitalizado com R$ 1,4 bi.

Nem todos os problemas foram sanados.

Os servidores mais antigos e a maioria dos aposentados estão em um fundo deficitário.

Todavia, com o isolamento desse fundo deficitário, a tendência é que o regime de previdência chegue ao equilíbrio.

Faça-se justiça, apesar de todos os conflitos entre os vários mandatos, todos eles agiram respeitando a estratégia que foi construída; 3 – Essa é a regra?

Não, é a exceção.

Nesses 20 anos de reforma, a esmagadora maioria de presidentes, governadores e prefeitos, em vez de criar uma poupança para os trabalhadores e servidores públicos, preferiram usar suas contribuições previdenciárias no presente (assim, reduzem seus custos com os atuais aposentados – que deveriam ser de sua responsabilidade).

O resultado é obvio?

Quando os atuais trabalhadores e servidores chegarem à idade de se aposentar, será problema deles e dos próximos governantes.

Os perdulários dessas duas décadas já estarão na história, de preferência com ótimas referências; 4 – Mas, isso é legal?

Para a primeira resposta, não.

Essa prática viola a Constituição Federal, nos artigos 40 e 201 e a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), art. 1º, § 1º.

Presidentes, governadores e prefeitos tinham o dever de construir uma estratégia para garantir a sustentabilidade da Previdência Social (regime geral e regimes próprios).

No entanto, como isso não dá voto, “aprofunda o problema e deixa para o outro resolver”.

O exemplo mais grave é o de Minas Gerais.

Após mais de uma década de formação de poupança dos servidores públicos, o então governador Anastasia, “raspou o tacho”, reduziu o custo do governo da época com aposentadorias e, agora, o déficit previdenciário do Estado explodiu (a poupança que existia para garantir o futuro dos servidores acabou); 5 – Haverá responsabilização?

Essa é a questão maior.

Se não passarmos a limpo tudo o que foi feito (e principalmente o que não foi feito) nessas duas décadas, não tem reforma que dê jeito.

Porque sempre haverá um agente político, confiante na impunidade, disposto a usar o dinheiro do contribuinte no presente, sem fazer reservas para sua aposentadoria, porque, lá no futuro, será problema do próprio contribuinte e do agente político que o suceder.

Assim, impossível discutir qualquer reforma da previdência, sem olhar para esses 20 anos de reformas e punir exemplarmente que aprofundou os problemas financeiros que enfrentamos.