Há exatos 32 anos, no dia 15 de março de 1985, a posse de José Sarney, no lugar de Tancredo Neves, marcou o fim da ditadura militar no Brasil.
O regime que havia começado 21 anos antes deixa marcas na democracia brasileira até hoje.
Mesmo diante de denúncias recorrentes de torturas da ausência de liberdade no período, de uns tempos para cá alguns grupos têm feito protestos pedindo a volta do modelo de governo.
Na Câmara, o deputado federal Jair Bolsonaro (PSC-RJ) chegou a homenagear Brilhante Ustra, coronel reconhecido como torturador na ditadura, durante sessão do processo de impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT).
Diante desses movimentos, o Blog de Jamildo conversou com o coordenador da Comissão Estadual da Memória e Verdade Dom Helder Câmara, o advogado Fernando Vasconcelos Coelho, que é ex-presidente nacional da OAB, ex-deputado federal e um dos fundadores do MDB, o único partido de oposição oficializado no regime.
Tantos anos depois, ele afirma que a democracia do País ainda está em construção e, sobre os pedidos para a volta da ditadura, diz: “Não queremos andar para trás”.
Blog de Jamildo - O que foi a ditadura militar?
Fernando Coelho - Foi uma mentira.
Mostrava-se uma verdade que não era real e anulavam-se aquelas conquistas a que o povo tinha direito, de viver democraticamente, manifestar-se, viver livremente.
De conhecer a verdade como ela é e de fazer as suas escolhas.
Esse é o desafio que todos nós enfrentamos.
Fui presidente da OAB e vivi muito a luta pela democracia do País, aquilo que a gente lutava na época é o que a gente tem direito a ter: liberdade, educação e saúde para todos, além de aplicação dos recursos do Estado, que são do povo, em ações do interesse do povo.
Quando eu vejo agora o projeto do São Francisco, que parecia um sonho, mas era uma reivindicação que vinha desde o Império pelo uso do rio para dar condições de vida dignas, quando vejo os passos que têm sido dados, vejo que o que tem que fazer é que avançar para criar um brasil à altura das necessidades e dos direitos.
Blog de Jamildo - Como você vê essas reivindicações de retorno do regime militar?
Fernando Coelho - Eu acho que isso revela apenas um absoluto desconhecimento do passado recente do Brasil, o que é lamentável.
Quem viveu aquele período e sabe sobre ele jamais poderia pensar em volta à ditadura.
Quem viveu ou conhece a realidade como ela realmente se passou jamais deseja voltar.
Temos que construir o presente e o futuro onde caibam todos os brasileiros com vida digna, trabalho, educação. É o que a Constituição de 1988, que foi um avanço, assegurou. É por isso que nos devemos lutar.
Temos que andar para a frente, jamais regredir.
Na fase aguda da Guerra Fria, quase todos os países da América Latina tiveram governos constitucionais depostos e depois houve um sopro no continente de uma democracia conquistada a duras penas.
Temos que ter uma democracia cada dia mais consolidada, com respeito e a dignidade.
Blog de Jamildo - Você acha que a onda de conservadorismo que se vê no mundo e também na América Latina influencia este movimento?
Fernando Coelho - É possível que tenha o desenho de uma minoria que influencie alguns grupos menos avisados.
Blog de Jamildo - De que forma seria solucionado esse desconhecimento que você atribui aos movimentos pela volta da ditadura?
Fernando Coelho - Tem que revelar a realidade, a verdade que existe e cabe ao País revelar.
Esse é o papel de cada um, inclusive nas comissões da verdade em todo o País e no exterior.
São países que viveram os tempos difíceis e querem mostrar a verdade que se passou efetivamente.
Nós não queremos andar para trás.
Apesar das dificuldades que a comissão enfrentou por ter sido criada 30 anos depois dos fatos, num espaço de tempo muito largo, o que fez com que os que tinham interesse de esconder a verdade tiveram tempo de fazê-lo através de documentos destruídos, conseguiu provar.
O papel da imprensa também é de noticiar o que verdadeiramente se passou.
A comissão tem feito os relatórios, levantamos problemas que repercutiram internacionalmente.
No que tange ao caso de Pernambuco, houve a indicação de Dom Hélder Câmara para o prêmio Nobel por três anos consecutivos por entidades sociais e foi negado por interferência direta do governo brasileiro.
O assassinado do Padre Henrique, a comissão desvendou.
A comissão descobriu que havia um documento do FNI, do governo da época, revelando a verdade, o que só se sabia de pouca pequena, mas que não tinha como comprovar.
O órgão do governo encaminhou ao ministro da Justiça um relatório e lamentavelmente o Ministério da Justiça, ao invés de punir os responsáveis, que estavam lá identificados, e revelar a verdade, mandou para Pernambuco uma pessoa de confiança do gabinete para desviar e não revelar, mentir, falsear a verdade, e sim revelar uma versão não verdadeira dos acontecimentos.
Os documentos não foram de oposições ao regime, foram do governo, do que se revelou que era o ministro da injustiça. É nesse engano que o povo não pode cair, não deve cair.
Blog de Jamildo - Qual é a consequência desse trabalho das comissões da verdade?
Fernando Coelho - Querem se aproveitar dessa oportunidade para justificar (esse pedido).
O número das pessoas que sabidamente foram torturadas, o depoimento que elas deram estavam escondidos.
Mas ainda assim as comissões têm levantado provas e documentos.
Sem sombra de dúvida, o caminho não é voltar, é avançar por justiça, liberdade, democracia e uma administração honesta que atenda e procure atender as necessidades do povo e não o bem-estar de uma minoria.
Na fase aguda da Guerra Fria, quase todos os países da América Latina tiveram governos constitucionais depostos e depois houve um sopro no continente de uma democracia conquistada a duras penas.
Temos que ter uma democracia cada dia mais consolidada, com respeito e a dignidade.
Blog de Jamildo - O que você acha da democracia do Brasil hoje?
Fernando Coelho - Falta evoluir muito, pagamos um preço muito alto pelos 40 anos de ditadura.
A consciência, o conhecimento da verdade tem aumentado.
Em vez de o governo tentar desviar a verdade, tem que revelar através dos meios de comunicação e dos instrumentos de educação.
O povo brasileiro tem direito a um futuro de paz, de trabalho e de viver democraticamente.
Tem que assegurar avanços, abrir caminho, não querer voltar algo que feriu de tal forma a consciência do País.
Não é responsabilidade só dos velhos, a gente, que viveu, tem que passar para os jovens, mas são os os jovens que vão construir o futuro.