Estadão Conteúdo - Repudiando as mudanças impostas pelos deputados ao pacote anticorrupção durante a madrugada, os procuradores da força-tarefa da Operação Lava Jato anunciaram em coletiva de imprensa nesta quarta-feira (30) que podem abandonar a investigação se as medidas forem aprovadas pelo Senado e sancionadas pelo presidente Michel Temer (PMDB).
O coordenador do grupo, Deltan Dallagnol, fez uma contundente manifestação contra o que considerou um novo projeto anticorrupção. “A Câmara sinalizou o começou do fim da Lava Jato”, afirmou Deltan. “Não será possível trabalhar na Lava Jato se a lei da intimidação for aprovada.” O anúncio foi do procurador Carlos Fernando dos Santos Lima. “Nós somos funcionários públicos, temos uma carreira no Estado e não estaremos mais protegidos pela lei.
Se nós acusarmos, nós poderemos ser acusados.
Nós podemos responder inclusive pelo nosso patrimônio.
Não é possível em nenhum Estado de Direito que não se protejam promotores e procuradores contra os próprios acusados.
Nossa proposta é de renunciar coletivamente caso essa proposta venha a ser sancionada pelo presidente”, disse.
LEIA TAMBÉM » Câmara desfigura pacote anticorrupção do Ministério Público O Ministério Público Federal encampou a proposta “10 Medidas contra a Corrupção”, que teve apoio de mais de 2 milhões de pessoas e foi levado à Câmara.
O texto embasou um projeto anticorrupção que passou pela Comissão Especial da Casa e entrou em votação pelo plenário na noite dessa terça-feira (29).
Durante a madrugada, os deputados desconfiguraram a proposta inicial e votaram um novo pacote que flexibiliza punição a corruptos.
O projeto provocou fortes protestos de diversas entidades. » Veja como votou cada deputado pernambucano sobre enriquecimento ilícito » “Deputados votaram contra o relator”, diz Betinho Gomes sobre pacote anticorrupção Pelo menos 11 mudanças foram feitas no texto do projeto de medidas de combate à corrupção que tinha sido aprovado na comissão especial, na semana passada.
Descontentes com o parecer do relator, deputado Onyx Lorenzoni (DEM-RS), parlamentares aprovaram emendas e destaques que incluíram novos temas e, sobretudo, retiraram trechos do pacote que dificultam investigações e flexibilizam a punição de corruptos.
Entre as mudanças aprovadas está a inclusão do crime de abuso de autoridades para magistrados e membros do Ministério Público, emenda apresentada pela bancada do PDT, e duramente criticada pelos membros do Judiciário.
A pena é de 6 meses a 2 anos de reclusão e multa.
O coordenador da força-tarefa criticou a aprovação. “Como se não fosse suficiente foi aprovada a lei da intimidação contra o Ministério Público e o Poder Judiciário sob o maligno disfarce de crime de abuso de autoridade.
Abusos devem sim ser punidos.
Contudo, sob esse disfarce de crimes de abuso há verdadeiros atentados contra independência do exercício legítimo da atividade ministerial e judicial.
A lei da intimidação avançada no Congresso faz do exercício da função do Ministério Público e do Judiciário uma atividade de altíssimo risco pessoal.” Mais cedo, os procuradores da Lava Jato haviam divulgado uma nota.
Leia a íntegra: “Diante de notícias de que o Plenário da Câmara dos Deputados poderá apreciar, hoje (29/11), emendas e substitutivos que podem desfigurar as “10 Medidas Contra a Corrupção” e atentar contra a independência do Ministério Público e do Poder Judiciário, os procuradores da República da força-tarefa da Lava Jato vêm a público manifestar repúdio a qualquer tentativa de aterrorizar procuradores, promotores e juízes em seu legítimo exercício da atividade de investigação, processamento e julgamento de crimes, especialmente daqueles praticados nas mais altas esferas de poder.
Os membros do Ministério Público e do Poder Judiciário se sujeitam a quatro esferas de responsabilidade: civil, criminal, de improbidade administrativa e disciplinar.
A afirmação de que essas classes são uma “casta privilegiada” ou “intocável” são falsas e objetivam manipular a opinião pública.
A impunidade dos crimes decorre de brechas do sistema de justiça criminal que serão fechadas caso sejam aprovadas as “10 Medidas Contra a Corrupção”.
O endurecimento das leis proposto se aplica para todos, isto é, inclusive a promotores, procuradores e juízes.
A pretensão de sujeitar membros do Ministério Público e do Poder Judiciário a crimes de responsabilidade é totalmente descabida.
Nem mesmo os próprios deputados e senadores estão sujeitos a esses crimes.
Além disso, a proposta tornada pública atenta contra a independência do exercício da atividade ministerial e judicial.
Além de serem propostos crimes de redação propositalmente aberta, como faltar com o “decoro do cargo”, os quais são punidos com demissão (sem qualquer gradação), os próprios investigados poderão processar criminalmente os investigadores.
Crimes excessivamente vagos dão margem a subjetivismo na aplicação da lei e perseguições, não toleradas pelo Direito Penal.
Isso abre espaço para retaliação, vingança, intimidação e acovardamento, amordaçando o exercício legítimo da função.
A intenção de criminalizar a atividade específica do Ministério Público e do Judiciário apareceu repentinamente, não foi submetida a uma adequada discussão e não existem episódios recentes que justifiquem sua súbita introdução num pacote anticorrupção.
A única novidade é o risco que os poderosos estão sofrendo de responderem por seus crimes e pagarem pelo que fizeram.
A reação defensiva contra as investigações, expressada em projetos descabidos na urgência e conteúdo, calcados em discussões inexistentes ou açodadas, não tem amparo em uma legítima necessidade de interesse público e caracteriza desvio de finalidade e conflito de interesses.
Trata-se de evidente retaliação contra grandes investigações e a independência dos poderes.
O único modo de se vencer a impunidade de agentes públicos criminosos, que precisam e devem ser responsabilizados por suas condutas, independentemente da Instituição à qual pertençam, é o aperfeiçoamento das leis.
As brechas que fazem o crime de poderosos compensar precisam ser fechadas para que tenhamos um efetivo Estado Democrático de Direito.
Não haverá evolução se não forem endereçadas reformas no tamanho das penas, número infindável de recursos, sistema de prescrição, nulidades e instrumentos de recuperação de dinheiro que é fruto de crimes.
Contudo, essas reformas devem ser realizadas por meio de uma discussão adequada, como aconteceu na Comissão Especial que discutiu as 10 Medidas, em que mais de 100 especialistas foram ouvidos, da Advocacia, Polícia, Judiciário, Ministério Público e sociedade civil.
Por isso tudo, a força-tarefa da Lava Jato reafirma sua confiança de que os Parlamentares e os cidadãos saberão distinguir medidas legítimas e necessárias para o aperfeiçoamento do sistema anticorrupção daquelas que são tentativas de aterrorizar e amordaçar promotores, procuradores e juízes.
A independência do Ministério Público e do Poder Judiciário é um dos pilares do Estado de Direito brasileiro e, como tal, deve ser respeitada, para que os cidadãos sejam protegidos e os criminosos sejam responsabilizados independentemente de quem sejam.
O momento clama por medidas contra, e não a favor, da corrupção.”