Depois de jantar no Rubaiyat, restaurante paulista no bairro dos Jardins, o prefeito de Santo André Celso Daniel deixou o local com o empresário Sérgio Gomes da Silva, o Sombra.

Minutos depois, já na zona sul da cidade, o carro em que os dois estavam foi fechado e bandidos que estariam em outros três veículos sequestraram o prefeito.

O corpo de Celso Daniel apareceu, crivado de tiros, dois dias depois, na rodovia Régis Bittencourt, no município de Juquitiba.

Envolto em mistério sobre o verdadeiro mandante e com uma série de mortes suspeitas nos meses e anos subsequentes, o assassinato é recontado agora no livro Celso Daniel, do jornalista Silvio Navarro, que passou os últimos quatro anos pesquisando sobre o crime.

Sombra, acusado pelo Ministério Público de encomendar o sequestro e a morte de Celso Daniel, morreu no último dia 27 de setembro.

Ele era o único dos sete réus do processo que investigava o homicídio a não ter ido a júri popular.

No livro, Silvio Navarro lembra o caso de um outro criminoso, o assaltante Dionísio de Aquino Severo, resgatado de um presídio de helicóptero e morto logo depois, em abril de 2002, dentro de outra prisão paulista, que chegou a ser investigado como um possível elo entre os sequestradores da favela do Pantanal e os empresários de ônibus, entre eles Sombra, suspeitos de serem os mandantes do crime.

O assassinato é um dos calcanhares-de-aquiles do Partido dos Trabalhadores, que sempre tentou afastar a hipótese de envolvimento político do caso.

No entanto, o crime estaria por trás das denúncias de corrupção na prefeitura de Santo André, que vieram à tona logo depois e que são apuradas, em diferentes procedimentos investigativos, pelo Ministério Público há quase duas décadas.

Alguns personagens da história, como Ronan Maria Pinto, Klinger de Oliveira, entre outros empresários do ramo de transporte público do ABC paulista, já foram condenados por desvios de recursos públicos em primeira instância — e recorrem da sentença na Justiça.

O caso voltou à tona nas investigações da Lava Jato.

Para Navarro, Santo André teria sido uma espécie de laboratório do que o PT faria, anos depois, no governo federal, nos já conhecidos casos de corrupção envolvendo o partido, como o mensalão e o petrolão.

No livro, Navarro mostra também que não foi só o PT que queria ver o crime apurado e encerrado. “O governo de São Paulo tinha muita pressa em concluir logo o caso porque Geraldo Alckmin enfrentaria em 2002 uma eleição em voo solo – Mário Covas, de quem fora vice, morrera no ano anterior — e a segurança pública era um problema grave para o Palácio dos Bandeirantes – o estado vivia uma onda de sequestros.

Em 2005, quando a delegada Elisabeth Sato teve a oportunidade de revisitar o caso, esbarrou na resistência interna de que, caso chegasse a conclusão distinta sobre o crime, teria de desqualificar o trabalho de nomes importantes na Polícia Civil”, observa o autor, em entrevista para o blog da Record. “Celso Daniel” é um livro-reportagem escrito em ritmo de thriller e suspense.

Segundo Navarro, o seu maior desafio foi organizar a apuração, feita com a ajuda de um pesquisador e de um revisor.

Para contar a história, ele teve que pesquisar em diversos processos judiciais, bater as versões desencontradas e localizar testemunhas pouco conhecidas 14 anos depois.

Ele revela que houve muita resistência e negativas de algumas pessoas ligadas ao PT em permitir acesso ao acervo pessoal de Celso Daniel, bibliotecas e arquivos. “Definitivamente, o PT não queria que este livro fosse publicado porque Celso Daniel é um fantasma que ainda assombra muita gente graúda – parafraseando o ex-presidente Lula”.

O livro chega às livrarias em outubro, pela editora Record.

Silvio Navarro é jornalista formado pela Universidade Metodista de São Paulo.

Foi repórter do jornal Folha de S.

Paulo em Brasília e na capital paulista por doze anos.

Desde 2012, é editor de Veja.