Cidade de 479 anos, o Recife tem inúmeros imóveis com características arquitetônicas que podem contar a história da capital pernambucana.
Ou poderiam, se todos fossem preservados.
Quando o assunto é a recuperação e a manutenção das áreas mais antigas do município, regiões como o Bairro do Recife vêm a cabeça de muita gente.
Mas o Cais José Estelita, localizado entre o Centro e a Zona Sul, é uma das que têm sido motivo de maior embate.
De um lado, o consórcio Novo Recife tenta derrubar os armazéns e transformar o lugar em um empreendimento privado; de outro, movimentos como o Ocupe Estelita querem discutir um uso público para o espaço.
Entre os candidatos nestas eleições, há divergência sobre o assunto.
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Veja se o seu candidato no Recife concorda com você O consórcio formado por quatro empreiteiras - Ara Empreendimentos, GL Empreendimentos, Moura Dubeux Engenharia e Queiroz Galvão - comprou por R$ 55 milhões a área dos antigos armazéns, que pertencia ao espólio da Rede Ferroviária Federal, em leilão realizado em 2008.
Depois que a Operação Lance Final, deflagrada pela Polícia Federal em outubro de 2015, apontou fraude na compra do terreno, a Justiça Federal anulou o processo.
O Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF5) suspendeu essa decisão um mês depois.
Em junho deste ano, entretanto, o juiz federal titular da 1ª Vara, Roberto Wanderley, reafirmou a sentença, retomando a anulação do leilão.
Derrubada de armazéns começou na noite de 22 de maio de 2014, até a ocupação do terreno por ativistas, o que suspendeu a demolição (Foto: Bobby Fabisak/JC Imagem) O projeto inicial das construtoras era de construir 12 torres, entre residenciais e empresariais, de até 40 andares.
A demolição dos armazéns para erguer os prédios começou há dois anos, na noite de 22 de maio de 2014.
Ativistas acamparam no local para impedir a ação, que foi suspensa devido à mobilização.
A ocupação terminou pouco menos de um mês depois, uma ação de reintegração de posse em que a Polícia Militar foi acusada pelos manifestantes por uso de violência.
Novos protestos foram realizados, inclusive em frente ao prédio onde mora o prefeito Geraldo Julio (PSB), na Zona Oeste da cidade, e à prefeitura, no Centro.
A proposta do consórcio e o planejamento urbanístico das áreas do entorno do cais foram refeitos, sendo aprovado pelo Conselho de Desenvolvimento Urbano (CDU) no fim do ano passado, quando o TRF5 suspendeu a anulação do leilão, um redesenho com algumas ações exigidas, como a criação de um binário para reduzir os impactos à mobilidade.
Agora, esse projeto não vale mais novamente.
Diante do imbróglio envolvendo o Cais José Estelita, veja o que pensam os candidatos sobre a área: Foto: reprodução do Facebook de Geraldo Julio Geraldo Julio (PSB) O prefeito, que tenta a reeleição no Recife, iniciou a sua resposta frisando que considera que há muita desinformação sobre o tema. “O fato é que, quando assumimos a Prefeitura em janeiro de 2013, existia um projeto pronto e aprovado para a área, em condições de já ser construído.
Por entendermos que aquele projeto poderia avançar em muitos pontos foi que reabrimos o debate com toda a sociedade para construção de um consenso possível em torno do terreno.
Fomos além do terreno do Cais José Estelita e fizemos um amplo processo de diálogo com a sociedade para elaborar um Plano Específico para o Cais de Santa Rita, Cais José Estelita e Cabanga, conforme prevê o Plano Diretor do Recife, e solucionamos uma antiga lacuna do planejamento urbano da cidade”, se defendeu o socialista.
Geraldo Julio lembrou que foram feitas quatro audiências públicas e outras reuniões no Conselho da Cidade, com a participação de entidades como as universidades, o Institutos dos Arquitetos do Brasil (IAB), o Conselho de Arquitetura e Urbanismo (CAU) e o Conselho Regional de Engenharia e Agronomia (CREA). “Trata-se do plano urbanístico mais moderno que existe hoje no Recife e que traz muitos avanços como a eliminação total de grades e muros ao nível da rua em todas as edificações”, opinou.
O prefeito citou ainda: “redução do tamanho das quadras, redução em dois terços da altura das edificações próximas as áreas históricas - caindo de 38 para 12 andares o número máximo de pavimentos por edificação -, telhado verde para todos os edifícios a serem construídos na área.
O plano prevê ainda calçadas com cinco metros largura, a eliminação do viaduto das Cinco Pontas e a Conexão da Avenida Dantas Barreto com o Cais José Estelita”. “Em relação ao Patrimônio Histórico da cidade, nunca se teve uma legislação tão robusta para tratar da preservação do patrimônio histórico no Recife, como nos últimos anos.
Regulamentamos a Zona Especial de Patrimônio Histórico Número 8, que corresponde ao bairro da Boa Vista, preservando uma série de imóveis e também estabelecendo critérios para a construção de novos edifícios na área, que dialoguem com o bairro e seu acervo arquitetônico.
Para se ter uma ideia da importância do resgate que estamos fazendo do nosso patrimônio, o Recife tem hoje 260 imóveis classificados como Imóveis Especiais de Preservação (IEPs), dos quais, 104 foram catalogados na nossa gestão.
Bons exemplos são a sede do América Futebol Clube e as casas modernistas da Rosa e Silva”, diz ainda Geraldo Julio.
Foto: André Nery / JC Imagem João Paulo (PT) Quando o leilão do terreno foi realizado por uma empresa contratada pela Caixa Econômica Federal, João Paulo estava no último ano do seu segundo mandato à frente da Prefeitura do Recife. “Nossa proposta é viabilizar finalmente a compra do terreno pela prefeitura - seja diretamente do consórcio Novo Recife, seja da União - a depender do resultado do recurso contra a sentença judicial que anulou o leilão em 2015”, afirma sobre o tema oito anos depois, já novamente como candidato do PT na cidade.
A intenção de João Paulo com a compra do terreno é viabilizar o Plano do Complexo Turístico Cultural Recife-Olinda, um consórcio público entre as cidades-irmãs, o Governo de Pernambuco e o Governo Federal para “transformar o centro metropolitano por meio da valorização de seu patrimônio cultural (material e imaterial), da recuperação e transformação de áreas degradadas e da promoção de um processo de desenvolvimento urbano sustentável e integrado”, nas palavras do petista. “Levamos em conta aspectos culturais e turísticos e a inclusão sócio-territorial das populações mais pobres.
Tínhamos e temos a compreensão que nessa área de oito quilômetros – entre o Cais José Estelita, o Porto, a Vila Naval e o sítio histórico de Olinda – estavam localizados os mais importantes equipamentos culturais e históricos”, conta. “Caberia a esse consórcio adquirir os terrenos, entre os quais o do Cais José Estelita, para realizar as operações urbanas e as demais intervenções previstas no plano.
A partir de 2007, no entanto, o Governo de Pernambuco mudou de orientação.
O consórcio não se constituiu e o projeto não pôde ser levado adiante da forma que imaginávamos.
Com a não constituição do consórcio público, o terreno do Cais José Estelita foi disponibilizado, em 2008, pelo Espólio da Rede Ferroviária para Leilão organizado pela Caixa Econômica Federal e arrematado pelo Consórcio Novo Recife”, relata. “Na época, foi concedida prioridade à Prefeitura do Recife para a compra do terreno do Estelita.
Contudo, a administração municipal não dispunha de recursos suficientes para, sozinha, arcar com tal investimento.
Sem a compra do terreno, o projeto integrado não pode seguir e as áreas ficaram disponíveis para atuação da iniciativa privada em cada ponto isolado.” Alvo de críticas dos mesmos ativistas que são contra o Novo Recife por causa da construção das chamadas ‘Torres Gêmeas’, como são conhecidas os dois espigões na área do bairro de São José próximo ao Forte das Cinco Pontas, iniciada em 2005, João Paulo se defendeu: “O Recife-Olinda previa, sim, elementos como a verticalização e a incorporação imobiliária, mas eles estavam completamente condicionados a um projeto maior.
As Torres Gêmeas surgiram como uma iniciativa isolada e descolada do contexto urbano.
Se chegamos a acreditar que poderia ser um começo, hoje, após a experiência concreta das torres construídas (de costas para a cidade) - e do avanço do debate - percebemos que a soma de projetos isolados nunca poderá alcançar o conjunto que resultaria em um plano integrado e discutido com a sociedade.” O petista defendeu ainda que tomou medidas para preservar as áreas históricas da cidade nos seus dois mandatos, citando a revisão do Plano Diretor do Recife e a requalificação do Pátio de São Pedro.
João Paulo aproveitou para criticar a gestão de Geraldo Julio. “Essa é uma grande oportunidade de todos olharmos novamente para esse lugar de outra forma.
A gestão atual tentou simular uma revisão participativa que resultou em um plano urbano que apenas repete o projeto da iniciativa privada.
Isso não resolve o problema. É preciso retomar o protagonismo do poder público no planejamento”, disparou.
O ex-prefeito acrescenta que isso seria feito “incorporando o amadurecimento do debate público que floresceu nesse intervalo”. “Abriremos uma ampla discussão com a sociedade, adotando mecanismos de participação, para que a população possa decidir o modo de utilização da área”, promete.
Foto: Tom Cabral/Divulgação Daniel Coelho (PSDB) O tucano, que tenta pela segunda vez chegar à Prefeitura do Recife, defende que o debate deve ser mais amplo do que apenas sobre o Cais José Estelita. “O que a gente precisa são de regras claras e de princípios na cidade.
Não é uma regra ou debate sobre o Estelita, mas uma regra sobre o crescimento urbano, que precisa ser democrático, precisa ser amplo e precisa ser discutido na cidade como um todo.
Vai caber ao prefeito cumprir com a legislação em vigor e respeitar decisões judiciais”, afirma Daniel Coelho, que também é deputado federal.
O candidato defendeu que a história do Recife é fator primordial na capacidade turística do Recife. “Prédios históricos precisam ser mantidos, até porque eles fazem parte da história e da cultura da cidade.
O grande diferencial do Recife em relação a outras capitais no seu potencial turístico tá na sua história, na sua cultura, na sua arquitetura.
Essa manutenção beneficia a todos, principalmente àqueles que estão inseridos no setor do turismo e lazer”, diz.
Foto: Divulgação Priscila Krause (DEM) A deputada estadual, que se candidatou pela primeira vez a um cargo majoritário, se posiciona pelo redesenho do Novo Recife. “Por acreditar que o cumprimento da legislação vigente é fundamento basilar para garantir a estabilidade jurídica que permite o desenvolvimento econômico de uma cidade, considero que o redesenho do projeto atende à cidade: área de uso público representa 65% do terreno em questão, prolongamento da Avenida Dantas Barreto até o Cais José Estelita, que revigora os bairros de Santo Antônio e São José, a divisão de lotes permitindo maior mobilidade entre os prédios e o uso misto da área, estimulando comércio e serviços no bairro, foram avanços significativos.
As ações mitigatórias, como a demolição do viaduto do Forte das Cinco Pontas e a recuperação dos prédios históricos da área também são ações que contemplam a cidade”, argumenta.
Sobre o leilão da área, a candidata afirma que o processo deve ser acompanhado pelas autoridades competentes.
Priscila Krause defende, porém, uma “necessidade de adequarmos a legislação referente ao planejamento urbano da nossa cidade-metrópole”, através de uma atualização do Plano Diretor do Recife ao Plano de Desenvolvimento Urbano Integrado da Região Metropolitana do Recife; da apresentação do Plano de Mobilidade do Recife; da modernização da Lei de Uso e Ocupação do Solo; e da complementação da legislação emanada dos planos mencionados. “A preservação do patrimônio histórico de uma cidade como o Recife será, no nosso governo, uma premissa fundamental pois só apontaremos para o futuro se garantirmos a manutenção das nossas tradições, que passam necessariamente pelos sítios e prédios históricos que compõem o cenário de vários bairros como o Poço da Panela e a Boa Vista, por exemplo.
Nesse sentido, a firmeza no cumprimento da legislação vigente - com foco na fiscalização - será um norte”, planeja, caso eleita.
Foto: Eric Gomes/Divulgação Edilson Silva (PSOL) Contra o Novo Recife, o deputado estadual defende a conclusão do inquérito policial em curso para que projetos para área sejam incluídos no Plano Diretor, que deve ser apresentado até 2018. “Vamos procurar acelerar o desfecho jurídico para que aquela área fique liberada para a gente debater com a cidade o seu uso”, promete. “Fizeram uma trapaça, tentaram construir na marra e a gente não deixou.
Hoje a Justiça está nos dando razão.
Se havia dúvida, hoje não há mais, está claro que o leilão foi fraudado”, afirma Edilson Silva.
Para o candidato, o Cais José Estelita é essencial no desenho da região central do Recife. “Essas áreas são ativos, são riquezas que a cidade tem e devem ser entendidas dessa forma”, defende.
Como exemplo do que prevê caso o Novo Recife seja concluído, cita as ‘Torres Gêmeas’, afirmando que a área não pode ser tombada por causa dos prédios. “Não compensa destruir o seu patrimônio por condomínio, que tem benefícios de curtíssimo prazo.
Para quem quer uma cidade para pessoas, esse modelo não é adequado”, se posiciona.
Para o parlamentar, essas construções têm consequências negativas, por exemplo, para a segurança cidadã, no momento em que são construídos muros altos, impedindo a livre circulação de todos os públicos.
Foto: André Nery/JC Imagem Carlos Augusto (PV) O candidato do PV afirma que o Cais José Estelita é um assunto polêmico inclusive dentro do seu partido.
Porém, opina que “o projeto é muito importante para o Recife”. “Com a mobilização da sociedade, ele avançou ao ponto de ser aprovado pelo Conselho Municipal e pela Câmara dos Vereadores.
No momento em que o Recife precisa atrair investimentos para a cidade, qualquer atitude no sentido de não se respeitar as regras do jogo é ruim.
O Partido Verde vai respeitar as regras do jogo, inclusive com as mudanças introduzidas depois do Movimento Ocupe Estelita.
O projeto agrega um parque à cidade, com manutenção feita pelo setor privado.
Agora, a Prefeitura precisa fazer a sua parte, garantindo que o parque seja do povo e que os espaços verdes ali disponibilizados sejam realmente públicos e utilizáveis pela população do Recife.
O PV não vai permitir quebra de contrato, por entender que a área da construção civil é uma das mais importantes para gerar emprego e renda para a população”, afirma Carlos Augusto.
Foto: reprodução do Facebook de Pantaleão Pantaleão (PCO) Candidato pelo Partido da Causa Operária, Pantaleão é contra o Novo Recife. “Defendo que a destinação do terreno do cais seja em benefício da cidade e do povo e não para grupos empresariais.
Por um projeto popular.”