O que se espera de uma empresa de terraplenagem?

Que ao menos detenha em seu patrimônio alguns caminhões caçamba, não?

Pois bem.

A leitura da denúncia do Ministério Público Federal, apresentada nesta quarta-feira à Justiça Federal de Pernambuco, aponta um dado curioso em relação à empresa Câmara e Vasconcelos, de propriedade do testa de ferro Paulo César de Barros Morato, um dos envolvidos no suposto esquema de desvio de recursos públicos e que apareceu morto e envenenado, em um motel em Olinda, um dia depois da operação Turbulência.

De acordo com a denúncia do MPF, a empresa de terraplenagem não tinha sequer um caminhão em seu nome.

A despeito disto, a mesma empresa recebeu R$ 23 milhões da construtora OAS, por serviços nas obras de transposição do São Francisco, no interior de Pernambuco. “O caráter “fantasma” dessa empresa é corroborado, ainda, pelo fato de, conquanto seu objeto social declarado seja aluguel de material para terraplanagem, nem essa empresa, nem a Lagoa Indústria, nem o próprio Paulo Morato possuíam veículos do tipo caminhão registrados em seus nomes, muito embora o aluguel de caminhões seja referido, inclusive, como a justificativa para as transações entre a empresa e a empreiteira OAS, adiante detalhadas.

Vale salientar que, desde 2009, os então sócios da Câmara e Vasconcelos, Hélio Dias de Morais e Ernani Dias de Morais Filho, confessaram sua condição de interpostas pessoas (laranjas), alegando que compuseram o contrato social da empresa a pedido de Paulo Morato”, descreve o procurador Cláudio Henrique Dias, que assina a denuncia encaminhada à Justiça Federal. “Inicialmente a Construtora OAS transferiu para a Câmara e Vasconcelos uma soma milionária de recursos, no valor total de R$ 23.759.154,56 (vinte e três milhões, setecentos e cinquenta e nove mil, cento e cinquenta e quatro reais e cinquenta e seis centavos), no período de 31/07/2012 a 23/03/2015”. “Ora, em se tratando a Câmara e Vasconcelos uma empresa de fachada, que possui interpostas pessoas confessas em sua composição societária, as transferências milionárias da OAS ganham a conotação clara de lavagem de dinheiro.

Nesse contexto, insta salientar que dita empreiteira fora contratada para executar obras de Transposição do Rio São Francisco, sendo investigada no bojo de uma outra investigação policial, denominada “Operação Vidas Secas”, em trâmite perante o Juízo Federal de Serra Talhada/PE, nos autos do Inquérito Policial n.o 93/2014-SR/DPF/PE, por suspeita de direcionamento de licitação e superfaturamento na execução da referida obra pública”.

A petição do MPF ao Judiciário local revela ainda que, na residência de Eduardo Freire Bezerra Leite, um dos três empresários apontados como cabeças do esquema, foi apreendido um caderno contendo diversas anotações manuscritas, dentre as quais registros das movimentações havidas na Câmara e Vasconcelos.

A empresa fantasma ficou conhecida nacionalmente porque o suposto dono, Paulo Morato, morreu após a deflagração da operação da PF e porque a imprensa nacional expôs o nome dela com movimentações milionárias, antes da tentativa de compra da aeronave que transportava Eduardo Campos.

Entenda melhor o caso Nesta quarta-feira, em menos de dois meses, depois de uma operação da Polícia Federal, denominada Turbulência, o Ministério Público Federal (MPF) em Pernambuco (PE) ofereceu denúncia contra 18 integrantes de organização criminosa suspeita de envolvimento em crimes contra o sistema financeiro nacional, lavagem de dinheiro oriundo de superfaturamento em obras públicas e pagamento de propinas a agentes políticos e funcionários públicos.

O caso teve início com as apurações sobre a propriedade da aeronave Cessna Citation PR-AFA, cuja queda provocou a morte do ex-governador de Pernambuco Eduardo Campos, em 2014.

As investigações levaram à deflagração da Operação Turbulência, em 22 de junho.

De acordo com as apurações, o grupo criminoso atuava desde 2010, mediante o controle de movimentações financeiras fraudulentas entre pessoas físicas e jurídicas, envolvendo empresas de fachada e caixa paralelo de empresas em atividade, de maneira eventual – por meio de empresas coligadas à organização – e continuada – no caso de empresas gerenciadas pelos membros da organização.

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Outro que está na lista, mas não pode ser denunciado é Paulo Morato, já que ele faleceu.

Os líderes direcionavam as transações bancárias ilícitas com auxílio dos gerentes, utilizando as contas bancárias dos colaboradores e operacionalizando a gestão e a circulação dos recursos ilícitos por meio dos subordinados.

A ligação entre os líderes ficou evidente desde o início das investigações, pois os três tiveram participação no arrendamento da aeronave Cessna Citation PR-AFA.

Para o MPF, embora nem todos os denunciados soubessem do funcionamento total do esquema criminoso, todos tinham consciência e manifestaram vontade de participar da empreitada ilícita, assumindo os riscos pelo envolvimento na fraude.

A pena para o crime de formação de organização criminosa pode chegar a oito anos de reclusão.

O MPF requereu ainda a instauração de novo inquérito policial para aprofundar as investigações a respeito dos crimes de lavagem de dinheiro e contra o sistema financeiro nacional praticados pela organização criminosa, uma vez que ainda estão pendentes algumas diligências investigatórias para o esclarecimento total a respeito desses crimes.