Mortes em Caruaru.
Uma analogia cinematográfica Por Eduardo Araújo advogado e diretor da ABRACRIM-PE, especial para o Blog de Jamildo B13.
Para quem não conhece, esse é o título de um filme.
A trama acontece em um ambiente de segregação e violência, onde a população de todo um bairro, o B13, era apartada dos demais habitantes daquela cidade e a estes era imposto viver no isolamento.
Naquele local não existiam regras, ou melhor, elas não eram ditadas pelo Estado, a lei do mais forte imperava e a única imposição estatal era de que aquelas pessoas não poderiam sair daquele perímetro.
Caruaru.
Penitenciária Juiz Plácido de Souza.
Local em que os indivíduos são postos e segregados pelo Estado por terem cometido algum tipo de delito.
Nesse ambiente, infelizmente, a lei posta não tem muita validade.
Existe e vigora o “código de conduta do cárcere”, pautado inteiramente pelo terror, violência e força, onde julgamentos acontecem a todo momento e a pena capital, não muito raro, é aplicada sem dó nem piedade, sem ampla defesa ou contraditório.
Parece que a única preocupação do Estado é de que aqueles indivíduos não saiam daquele perímetro.
Coincidência?
Histórias como a de Caruaru, que ganhou os noticiários nacionais nos últimos dias, não são difíceis de ouvir.
A situação carcerária em Pernambuco – e também de todo Brasil – atingiu um nível assombroso, comparado às prisões de guerra.
Mas num país de tantos abismos, parece que outros assuntos são mais importantes do que os rumos da nossa sociedade.
As infiltrações nos apartamentos da Vila Olímpica, talvez.
Assumir e enfrentar o problema carcerário é dar um recibo de falência de todas as “politicas públicas” que se tentouimplementar até hoje, e debruçar-se sobre muitas outras áreas que não somente a prisional.
Temos um judiciário engessado em seus próprios procedimentos e burocracias, onde há uma esmagadora quantidade de processos e decisões que proferidas em meio ao clamor popular, distanciam-se cada vez mais da justiça e abarrotando ainda mais as prisões; Um Ministério Público preocupado unicamente em acusar, mesmo quando não se tem elementos para tanto, desconhecendo todos os preceitos Constitucionais e a própria função para qual foi criado e da qual foi incumbido; Delegados que seguem esta mesma linha e que, com a chancela dos dois primeiros, banalizaram a figura da prisão preventiva.
Responder por qualquer crime em liberdade virou exceção no Brasil, o princípio da presunção de inocência já havia sido mitigado há tempos quando das enxurradas dessas “prisões temporárias” que são proferidas a toque de caixae em nome da manutenção da “ordem pública”.
Mas, que ordem?
Vez ou outra surgem figuras postas como as salvadoras da pátria.
Redução da maioridade penal, a onda de “hediondez” para os crimes, penas mais severas…
Nada disso adianta.
Não precisamos prender mais cedo, não queremos o enquadramento de todo e qualquer crime na qualidade de hediondo, não buscamos penas mais duras e longas, quem gosta disso é apresentador de programa policial.
O que precisamos é de prevenção, de revisão do nosso sistema, de políticas públicas que busquem verdadeiramente resolver a demanda e que de fato entendam que até hoje atacaram o ponto errado do problema.
Precisamos de uma mudança de pensamento, tanto dos juristas, que devem ser ainda mais incansáveis na luta pelas garantias dos direitos individuais, quanto dos agentes públicos, que devem passar a observar a lei – muito inusitado -, bem como contar com o apoio da sociedade, que precisa entender que não se trata de “defender bandido”, mas sim de lutar por direitos.
Não se busca abrandar a nocividade dos delitos cometidos pelos que hoje encontram-se encarcerados, mas sim se discutir ações para encontrar meios que sejam efetivos no combate ao “recrutamento” desses indivíduos, para o crime para que não seja necessário ampliar cadeias; que sejam implantadas políticas que priorizem o respeito às garantias constitucionais, para que não se precise viver em uma sociedade que teme; que os que erraram possam pagar pelos seus atos, sejam ressocializados e devolvidos à sociedade.
Que se registre que existem profissionais, em todos os campos acima citados, que são baluartes dessa forma de pensar um novo método para nosso sistema prisional, que de fato trabalham com o espírito de modificar para melhor a presente situação e se empenham na árdua tarefa de construir uma sociedade mais justa e garantidora.
Para estes, fica a presente homenagem de reconhecimento.
Quanto ao filme, a situação do povo do B13 dá uma reviravolta quando aquela sociedade decide lutar pelos seus direitos, assumem uma postura diferente e mostram aos que dominavam que aquela situação de passividade havia chegado ao fim, que as coisas careciam de mudança para que pudesse haver a manutenção da paz e do equilíbrio social.
Coincidência?