O combate à corrupção e as medidas “anticonstituição” Por Carlos Barros, especial para o Blog de Jamildo Imagine, caro cidadão, se, por um infortúnio, você estivesse às voltas com a Justiça criminal e: a) o próprio Estado produzisse provas ilícitas contra você e as utilizasse para lhe condenar; b) o próprio Estado não lhe assegurasse o direito de, antes de ser preso, demonstrar aos Tribunais Superiores, por exemplo, que a acusação feita contra você não configura crime, que a sua pena foi aplicada de forma errada, que não foram respeitadas as regras processuais e as garantias constitucionais que lhe protegem do arbítrio do Estado; c) o próprio Estado tivesse enfraquecido substancialmente o instituto do habeas corpus a ponto de você não mais poder se socorrer desse remédio jurídico para combater as ilegalidades perpetradas contra a sua pessoa; d) essas fossem apenas algumas das possibilidades de o Estado aniquilar o seu sagrado direito à liberdade de forma arbitrária e cruel.
Imaginou?
Ficou assustado só de pensar em ser condenado e encarcerado pelo Estado com base em provas sorrateiramente produzidas?
Sentiu uma angústia ao se ver dividindo com 40 (quarenta) pessoas uma cela que comporta apenas 4 (quatro) sem que, antes, lhe tenha sido assegurada a possibilidade de demonstrar que a pena que lhe foi imposta é fruto ou traz em sua fixação um erro do Juiz (que é um ser humano, e não Deus)?
Viu-se em um pesadelo ao cogitar ser jogado em uma masmorra em razão de um erro judiciário ou sem que lhe fosse assegurado um processo justo?
E aí?
Imaginou?
Pois é isso o que poderá ocorrer caso as intituladas “10 medidas contra a corrupção” propostas pelo Ministério Público Federal sejam aprovadas e se tornem lei.
Afinal de contas, essas medidas, na verdade, vão bem além do alegado combate à corrupção.
Dentre elas, por exemplo, há a absurda proposta de se alterar o § 2º do art. 157 do Código de Processo Penal para excluir a ilicitude da prova quando usada pela acusação com o propósito de refutar álibi.
Quer dizer: bastará o réu apresentar um elemento comprobatório da sua inocência para que o acusador possa se valer de uma prova ilícita.
Há, também, a proposta de se incluir um parágrafo único no art. 96 da Constituição Federal, a partir do qual, ao proferirem julgamento de mérito em matéria penal, os tribunais de apelação autorizarão, a pedido do Ministério Público, a execução provisória da decisão condenatória, ainda que pendentes recursos extraordinário ou especial, objetivando, assim, a prisão do réu mesmo que este tenha recorrido às Cortes Superiores e a sua condenação possa ser cassada ou reformada em seu benefício.
Há, ainda, a proposta de se estreitar o habeas corpus com a inserção de um § 1º no art. 647 do Código de Processo Penal para restringir a concessão de ordens de ofício e de liminares, bem como o reconhecimento de nulidades e o trancamento de investigações ou processos penais, mesmo diante de manifestas ilegalidades.
Ah… você aplaude tais medidas, mas não sabia disso tudo?
Não?
Nem você nem milhões de brasileiros que, induzidos pelo forte trabalho de marketing em torno dessas “medidas”, as ovacionam como se fossem solução (sem ser) para o mal que é a corrupção, chegando ao absurdo de subscreverem um abaixo-assinado sem sequer terem lido uma única linha das propostas, como quem assina um importante e delicado contrato inadvertidamente e às cegas.
A corrupção deve, sim, ser fortemente combatida, mas não através de leis açodadas, que fulminam normas essenciais de proteção dos cidadãos contra os arbítrios do Estado, configurando um odioso ataque aos Direitos e Garantias Fundamentais insculpidos na Carta Magna e, por conseguinte, um flagrante retrocesso.
O cenário acima descrito, portanto, é a cova que, sem saber, você pode estar ajudando a cavar para si mesmo; é o feitiço que, como no ditado, poderá voltar contra o feiticeiro; é o veneno que, mesmo sem saber que ajudou a preparar, você poderá um dia provar.
Pense nisso!
Carlos Barros é advogado criminalista e presidente da União dos Advogados Criminalistas - UNACRIM