Por Roberto Numeriano, em artigo enviado ao Blog Em 1982, aos 19 anos, na época em que a ditadura instaurada em 1964 ainda parecia forte, assisti, como aluno do curso da Arma de Comunicações do CPOR-Recife, uma palestra do então comandante do IV Exército (hoje, Comando Militar do Nordeste), general Ênio Gouveia.
Era o dia 31 de março, e a ditadura completava 18 aninhos de tortura e infâmia, traição e mentira.
O general (que não era um homem da chamada “linha dura” do Exército), palestrou sobre o papel das Forças Armadas na “Revolução de 1964”, afirmando, entre outras coisas, que ela fora feita para acabar com a anarquia social, a subversão da ordem, a indisciplina nas fileiras etc.
Ao fim, dirigiu-se ao corpo de alunos e disse que a palavra estava franqueada, e que os mesmos falassem de “filho para pai”.
Eu pedi a palavra, me apresentei e perguntei por que (se os objetivos dos militares foram atingidos, conforme as palavras do próprio general) os militares não voltavam para os quartéis e deixavam a política a cargo dos civis.
O corpo de oficiais lá na frente da mesa se levantou e olhou para trás, para saber quem era aquele “Magalhães” (meu outro sobrenome e “nome de guerra”, no jargão militar), o petulante aluno que fizera a pergunta “subversiva”.
Pensei na hora que ia pegar uma boa cadeia no quartel.
Mas as palavras do general (registre-se: um homem cortês e oficial exemplar), por incrível que pareça, me salvaram: ele reconheceu que os militares deviam mesmo voltar aos seus afazeres institucionais; e deixar a política.
Claro, já nas dependências do curso da Arma de Comunicações, não deixei de ser aconselhado pelo major comandante a respeito de não tratar de assuntos políticos no quartel etc.
Ingressei na militância partidária em 1984, a ditadura caiu em 1985, veio a Constituição de 1988, e jamais imaginei que fosse testemunhar, aos 53 anos, um golpe de Estado parlamentar e o ódio político-social se disseminar no país, com patifes políticos feito um Bolsonaro fazendo apologia da ditadura e de torturadores como o execrável criminoso coronel Brilhante Ustra, que desonrou a farda do Exército Brasileiro e a grandeza moral e cívica das Formas Armadas.
Ainda bem que existem, às centenas de milhares, jovens dispostos a desmascarar desde já e para a história o golpe em curso, como também lutamos à época para desmascarar a ditadura civil-militar de 1964.
Este é o seu batismo de fogo, caros democratas e legalistas que combatem o golpe civil de um parlamento majoritariamente corrupto.
Nunca desistam da verdade.
Ela vai prevalecer.
Roberto Numeriano é jornalista, cientista político e pré-candidato do PSOL à Câmara de Vereadores do Recife.